Tentei já, em resposta anterior, relacionar trovadorismo e modernismo. Agora, à luz de A Hora da Estrela, de Clarice Lispector (que leio na 9ª ed., Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1984), não vejo como associar uma época – a era medieval, com seus trovadores, eminentemente poetas, donde trovadorismo tira o nome –, e que nada tem a a ver com novelas de cavalaria (que já são criação do Humanismo e do Renascimento). Por outro lado, o que significa, aqui, modernismo, se, por exemplo, a referida metalinguagem (que, mais do que isso, é uma estratégia de ironia romântica, em que o narrador joga com a construção da personagem e do próprio texto) se encontra, já, de facto, nas ficções cavaleirescas de Quinhentos e em ficção epistolar de Seiscentos? Se olharmos para as experiências narrativas no séc. XX, temos inúmeros casos de construção textual à frente do leitor, como se pretende: «Como que estou escrevendo na hora mesmo em que sou lido.» – assim escreve o «autor» de Lispector, também narrador. É nessa estratégia de criação de um efeito de verdade que os séculos referidos se relacionam; no mais, só personagens e ambientes pícaros (nunca os de ficção cavaleiresca), entre o desconforme, o por vezes tão familiar e quotidiano e o estranho, evocam a atmosfera de A Hora da Estrela.
Peço, entretanto, aos consulentes, que sejam mais precisos na formulação de termos e conceitos; de outro modo, dificilmente se estabelece a desejável comunicação.
Cf. Mário de Sá Carneiro, Fernando Pessoa e o modernismo em Português