Lembra-se da presidente croata a celebrar com a sua seleção o segundo lugar no Mundial de Futebol da Rússia? Vestida com a camisola de xadrez vermelho e branco a consolar Luka Modric debaixo de chuva no estádio? Pois meses antes da final com a França (2-4), Kolinda Grabar-Kitarovic fez um discurso em português no Palácio da Ajuda, num jantar oferecido por Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente de um país que pode ter só dez milhões de habitantes, mas cuja língua é falada por 270 milhões de pessoas no mundo, a esmagadora maioria como língua materna, alguns milhões porque a estudaram, como a croata.
É a sexta língua mais falada no planeta e consegue ser a mais usada no hemisfério sul, graças ao Brasil (210 milhões) mas também a Angola e Moçambique.
«A língua portuguesa é falada por mais de 260 milhões de pessoas, que são as populações da CPLP, e a elas juntaria a nossa diáspora, que tem cinco milhões, mais todos os que estão pelo mundo fora a aprender português. Diria, sem ser muito arriscado, que deve andar por volta dos 270 milhões», afirmou, em entrevista ao DN, o embaixador Luís Faro Ramos, presidente do Instituto Camões. E apesar de estar atrás do mandarim (mil milhões) ou do hindi em termos de falantes, o português surge em terceiro lugar entre os idiomas internacionais, pois é usado por países da Europa, da América, de África, até da Ásia – Timor adotou-a como oficial e há casos especiais.
«Sabendo português, todas as "portas e janelas" estão abertas em Portugal e não só. Isso acontece nos mais diversos países e lugares onde se fala esta língua espalhada por todo o planeta. Por exemplo no Japão, em Nagoya, em todos os sítios públicos (metro, autocarros…), tudo está escrito em japonês e português”, testemunha Ivica Maricic, embaixador da Croácia em Lisboa, que ainda há semanas trouxe de volta a sua presidente para as Conferências do Estoril. Mas se Kolinda Grabar-Kitarovic aprendeu português na universidade, em Zagreb, o arquiteto Maricic tornou-se fluente por via de uma longa vivência em Portugal, ainda antes de ser diplomata.
É por causa da comunidade de brasileiros de origem japonesa que Nagoya usa tanto o português, mas foram as Descobertas dos séculos XV e XVI que primeiro levaram a língua ao país do Sol Nascente, restando lá alguns vestígios daquela que chegou a ser língua franca, tal como acontece na Indonésia. «São várias as palavras que usamos no dia a dia no Japão, como koppu (copo), botan (botão), pan (pão), konpeitou (confeito), diz Yuka Iwanami, da secção cultural da embaixada. A diplomata fala da sua relação com a língua: «Desde que fui instruída a estudar a língua portuguesa pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, tenho trabalhado em países lusófonos, nomeadamente em Portugal, no Brasil e em Moçambique. Sou muito sortuda por poder falar esta língua e poder trabalhar em vários lugares, inclusive no Japão, onde existe uma grande comunidade brasileira. Reconhecendo a importância da língua portuguesa ao nível mundial, acho interessantes as diferenças entre o português de Portugal, do Brasil, de África e da Ásia.»
Falando da Ásia, em Goa, onde nas gerações mais velhas ainda há falantes de português, o esforço hoje é atrair os mais novos para a aprendizagem de uma língua que até à anexação pela Índia em 1961 foi a das elites. Já em Macau, onde o português é língua co-oficial segundo os termos do acordo luso-chinês que levou ao fim da administração portuguesa, o idioma tem ganho relevo pelo interesse da China no mundo lusófono.
Haverá hoje quatro mil estudantes de Português nas universidades chinesas.
Mas se foram as Descobertas que mais fizeram pela expansão do português, há também que não esquecer a diáspora mais recente, a que se pode somar também a nova diáspora brasileira, sobretudo nos Estados Unidos. E nos últimos anos tem havido nos luso-americanos um interesse renovado pelo idioma. «Aqui na nossa escola e na nossa comunidade estamos a passar por uma fase em que falar e estudar português é um privilégio e até está na moda e é cool, como dizem os mais pequeninos. Existe um orgulho em ser português e aprender a língua portuguesa como nunca existiu antes, principalmente entre os jovens», diz Leslie Ribeiro Vicente, professora na Discovery Language Academy, em New Bedford.
As estatísticas sobre línguas são falíveis, pois a demografia galopante de alguns países pode mudar os números, e por outro lado há países em que um idioma pode ser oficial mas o seu nível de domínio discutível. Mesmo assim tanto os sites Ethnologue como Babbel põem em sexto lugar a língua de Camões, Eça, Pessoa, Machado de Assis, Jorge Amado, Germano Almeida, Pepetela ou Mia Couto. E os tais 270 milhões de lusófonos (ou 265) são 27 vezes o número de gente a viver em Portugal, multiplicação que nem o inglês nem o espanhol podem reivindicar, mesmo que a primeira dessas línguas tenha mais de 400 milhões de falantes nativos (mais ou menos tantos como o espanhol) e outros 500 milhões ou mais que falam com variada fluência a atual língua franca mundial.
texto publicado no Diário de Notícias, com a data de 13 de julho de 2019.