«(...) Quando um professor ama aquilo que ensina, e ama ensinar, o que ele ensina torna-se naturalmente contagiante. (...)»
Sempre gostei de Matemática. Nos primeiros anos após a instrução primária, a Matemática, juntamente com o Português, era a minha disciplina preferida, e ambas aquelas onde obtinha sempre melhores classificações. Estou convencido de que o meu amor pela Matemática e pelo Português (e, depois, no Complementar — hoje 10.º e 11.º anos — pela Literatura) se deveu principalmente aos professores que tive.
Julgo que seja uma experiência comum, a de, enquanto estudantes, amarmos as disciplinas de cujos professores gostamos. É minha convicção, fundada na experiência, que o amor é o maior e mais generoso de todos os veículos de comunicação.
Quando um professor ama aquilo que ensina, e ama ensinar, o que ele ensina torna-se naturalmente contagiante. Em O Prazer do Texto, Barthes fala do prazer do leitor como um prazer de tipo "voyeur", um prazer que se compraz no prazer pressentido do autor no acto da escrita. Daí que pense que talvez uma boa parte do insucesso escolar no domínio da Matemática esteja relacionada com o facto de haver por aí gente de mais a ensinar Matemática sem gostar de Matemática nem de ensinar, gente que foi parar ao ensino por, mas que sei eu?, se lhe terem eventualmente fechado outras portas. Tratar-se-á, pois, mais do que apenas um problema da escola, de um problema da sociedade, independentemente de, se calhar, todos os problemas da escola serem o rosto de problemas da sociedade.
Podia dizer — e digo — que a Matemática é uma disciplina, se não uma aventura, emocionante, mas todas as áreas do saber o são, muito particularmente hoje, em que é notório que todas, em especial as chamadas Ciências da Natureza, vivem (sempre assim aconteceu, mas hoje acontece talvez de forma mais arrebatadora, porque mais mediatizada) em «estado de fronteira», forçando permanentemente os seus limites, num movimento em espiral para dentro (muitas vezes para dentro umas das outras) no sentido da simplificação e da convergência, o que, no entanto, conduz a problemas cada vez mais difíceis.
Uma vez ouvi Edward Witten dizer numa entrevista que pressentia que a Natureza «tem um truque qualquer». Talvez nunca como hoje o conhecimento tenha perseguido de forma tão obstinada o mistério irresolúvel da existência. «É possível demonstrar que o π tem um valor entre 3,14 e 3,15. Mas por que razão? Porquê? No entanto, se tivesse outro valor, a própria existência seria outra coisa…» Para isso, para sabermos mais de nós e do mundo, se não para nos compreendermos e ao mundo ao menos para o descrevermos, a Matemática é o principal instrumento que temos, às vezes mesmo o único. A própria beleza, o inefável que tanto seduziu os românticos, os ritmos da poesia e da música, as simetrias e assimetrias, os enquadramentos, as perspectivas, das artes visuais, têm implícitas pautas matemáticas, que nos podem ajudar a compreender como (se não porque) "funciona" a beleza. Hoje, o ensino raramente estimula a curiosidade dos nossos jovens. Limita-se aos imprescindíveis "comos" sem entreabrir a porta também à interrogação, aos "porquês".
É de um desastre que falamos quando falamos das dificuldades de relacionamento dos nossos jovens com a linguagem matemática (o mesmo que acontece com idêntica dificuldade com a Língua, que tem raízes na exclusão da "linguagem da Língua", o Latim, dos programas escolares).
Um amigo meu, professor de uma Faculdade de Arquitectura, gasta habitualmente as primeiras aulas do curso a… ensinar a tabuada aos seus alunos e a combater o estúpido preconceito que o Secundário neles instilou contra a memorização, como se o conhecimento fosse possível sem memorização.
Sendo embora um observador distante, e apenas curioso, do fenómeno do ensino, julgo que, por razões de bom senso, tanto a Matemática como o Latim, como também a Filosofia, deveriam fazer obrigatoriamente parte dos curricula escolares durante todo o Secundário.
Ora, há uns anos (porque o facilitismo "simplex" não é invenção dos actuais responsáveis do Ministério da Educação), até a Filosofia se quis excluir, ou limitar a uma situação residual, do ensino. O resultado está à vista: estamos a construir uma sociedade de homens, como diz Drummond, «cortados ao meio».
Artigo do jornalista, poeta e escritor Manuel António Pina (1943 – 2012), transcrito, com a devida vénia, do diário Público de 24 de Junho de 2009. Escrito segundo a norma ortográfica de 1945.