O fio do horizonte.
Ainda acreditamos na verdade porque ainda acreditamos na gramática” (estou a citar de memória) – foi mais ou menos isto o que disse o filósofo, numa formulação ambivalente: pode ser a favor da verdade e da gramática, ou contra a verdade e a gramática. A perspectiva de Nietsche é contra.
Daí que as discussões sobre a gramática e o peso da gramática no ensino estejam hoje bastante acesas. A questão reside na proposta de implantação da Terminologia Linguística para os Ensinos Básico e Secundário (o que dá a florida sigla de TLEBS). Li há dias dois textos publicados nos jornais que são particularmente interessantes.
Num, Vasco Graça Moura parte da afirmação de que o ministério comunicou há mais de um ano às escolas dever a TLEBS “tornar-se uma referência no tocante às práticas lectivas, à concepção de manuais e aos documentos produzidos em matéria de ensino e divulgação da língua portuguesa”. O Vasco lembra várias coisas: a necessidade de elaborar novos manuais escolares, o que só pode constituir uma despesa gravosa para as famílias; a própria dificuldade dos professores em compreenderem por dentro a nova terminologia; a manifesta confusão entre o plano científico e o plano pedagógico; as consequências para a aprendizagem das línguas estrangeiras; o problema da adaptação à frágil realidade do ensino nos PALOP. Estou inteiramente de acordo com este excelente artigo de Vasco Graça Moura (publicado no DN em 15 de Novembro).
Entretanto li também, agora no PÚBLICO, uma carta de João Costa, presidente da Associação Portuguesa de Linguística, que é uma espécie de resposta directa a um texto de Helena Matos, e indirectamente a todos os comentadores jornalísticos que falam do que não sabem. Confesso que este texto de João Costa não me convenceu minimamente. Ele bem diz que “a TLEBS introduz termos relevantes para fazer distinções cruciais para uma boa descrição do funcionamento da língua portuguesa”. O problema de base é que o esmiuçar destas distinções é tão complexo que em certos aspectos dá imensa vontade de rir. Confesso que não estou habituado a ler livros de linguística às gargalhadas. Mas neste caso é como se antes de me sentar comodamente numa cadeira eu quisesse saber todos os materiais de que ela é feita: tipos de parafusos, localização, tipos de madeiras, etc.
A mim parece-me mais importante que se ensine os usos da língua, e por exemplo a sua dimensão argumentativa (que Ducrot considera a sua essência). Mas lendo por exemplo La linguistique textuelle de Jean-Michel Adam encontro análises aprofundadas, mas não esta parafernália de termos algo ridícula. E aprendo muito mais com obras como L’argumentation aujourd’hui, antologia publicada pelas Presses Sorbonne Nouvelle. A relação entre a linguística e a retórica é hoje fundamental: veja-se La fonction persuasive de Emmanuelle Danblon. Para mim todas as distinções morfo-sintácticas (será que ainda se diz assim?) só interessam pedagogicamente se subordinadas à pragmática da língua (no famoso sentido de Morris). Veja-se, por exemplo, Le point de vue de la logique naturelle: démontrer, prouver, argumenter de Jean-Blaise Grize, “a pragma-dialéctica” de Van Emeren e Houtlosser ou ainda Une approche cognitive da l’argumentation de Georges Vignaux. Ou, por fim, Advances in argumentation theory and research de Cox e Willard.
Senhora ministra, minha cara amiga, suspenda este processo e repense tudo.
Público de 17 de Novembro de 2006.