A Comunicação Social tem vindo a divulgar com insistência a questão da terminologia linguística. Julgo que a explosão de artigos sobre a TLEBS não vale tanto pelo que neles é afirmado mas sim pelo tom exaltado com que se apresentam os argumentos e pelo que o seu conteúdo indicia.
Como se sabe, não há só observações públicas contra. Se repararmos bem, as «observações públicas» contra a TLEBS da colega Maria do Carmo Vieira (“Jornal de Letras”, 25-10-06), da Professora Alzira Seixo (“Visão”, 28-10-06) e do Dr. Vasco Graça Moura (“DN”,1-11-06) têm argumentos em comum. De acordo com esta corrente de opinião, a TLEBS deve voltar para a gaveta porque:
2. Os conceitos são demasiado complexos e os termos que os designam "abstrusos".
3. Os autores dos manuais não estão a ser capazes de lidar de forma correcta nem com uns nem com outros e, sem manuais...
4. Os docentes nunca hão-de ser capazes de transposições didácticas de qualidade e, por isso, são aconselhados a não dar atenção ao documento, a fazer como se não existisse. Há que desencadear na sociedade portuguesa, a vários níveis, movimentos contra, de modo a que a medida não vingue.
Esta é, em traços gerais, a visão catastrofista e, por isso, superconservadora, do contra. Não me revejo nela. Sou de opinião que o treino dos alunos dos Ensino Básico e Secundário na componente «Funcionamento da Língua» pode melhorar, e muito, a sua competência enquanto “escritores” e enquanto “leitores” de obras literárias e não só. A «embrulhada específica» de que fala o Dr. V. Graça Moura só será inevitavelmente instaurada se se continuar a pensar que transposição didáctica significa ter uma lista de termos para fazer os alunos decorar com uns exemplos de frases, criadas “ad hoc”. Qualquer professor de Português sabe que não é assim. Por isso, e aproveitando as oportunidades que a implementação da TLEBS tem trazido, muitos professores têm demonstrado empenho e interesse em repensar as suas práticas, fazendo-as assentar numa visão mais abrangente do que é ou pode vir a ser a reflexão sobre o funcionamento da língua. Tal visão não passa, naturalmente, por «pôr uma criança, imagine-se, a decorar advérbio disjunto restritivo da verdade da asserção», como se diz no destaque da revista “Visão”, baseando-se num exemplo retirado de um manual. Há professores que se rebelam contra a "ditadura" dos manuais, ou melhor, contra as propostas das «vozes autorizadas» de autores/editores, com as quais nem sempre concordam. Esses professores querem sentir-se mais confiantes e, por isso, não rejeitam um suporte científico que lhes permita práticas mais produtivas. Tais práticas vão, de certeza, beneficiar os alunos na leitura e na escrita.
O perigo de uma aplicação deficiente da TLEBS é real mas o da aplicação deficiente dos programas ainda o tem sido mais. Citando um dos colegas no fórum geral do GramáTICª.pt, «a generalidade dos professores está apreensiva; a generalidade dos professores parece só há muito pouco tempo ter contactado com a TLEBS; a generalidade dos professores está a tentar actualizar-se. Mas é necessário tempo. Para uns será mais fácil, para outros mais difícil». Centrar as nossas preocupações no uso que os manuais fazem dos documentos oficiais não me parece acertado. A relação dos professores e dos alunos com os manuais é, sempre foi, problemática. A relação dos manuais com os programas também. O pior de tudo é a relação dos professores com os programas quando esta relação é exclusivamente mediada pelos manuais. É isto que nos deve preocupar.
Para divulgação e apoio “em linha” foi criada uma rede (GramáTICª.pt), na qual já se inscreveram mais de 100 professores desde 28 de Setembro e que conta com uma média de 545 acessos diários. Não será também por mero acaso que, em muitas livrarias, os “top” de vendas têm sido: Gramática de Língua Portuguesa, de Mira Mateus et alli; Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Celso Cunha e Lindley Cintra; Dicionário Verbo da Língua Portuguesa (2006); Gramática Prática do Português – Da Comunicação à Expressão... Também as visitas ao Ciberdúvidas têm aumentado exponencialmente.
Isto não é só «pepineira», «aberração», «loucura» ou outra qualquer coisa que quiserem chamar. Tudo isto há-de ter algum significado... p. ex., o de muitos professores quererem sentir-se mais familiarizados com certos conceitos que explicam melhor as realidades da língua que ensinam e os usos que dela se faz (o literário também, obviamente); quererem sentir-se preparados, menos obedientes às rotinas e ao pronto-a-servir dos manuais, mais confiantes e, por isso, mais autónomos, mais criativos e mais eficazes.
Artigo publicado no Diário de Noticias de 19 de Novembro de 2006.