Crónica publicada no Diário de Notícias de 17/02/2012, na coluna diária do autor Um Ponto É Tudo.
Fui batizado pelos capuchinhos na luandense Igreja de São Paulo, então no musseque Cayatte, depois bairro de São Paulo quando as ruas foram asfaltadas. Minto, o que fui foi "baptizado". Batizado ofende-me um bocadinho os olhos mas, confesso, não me tira o sono. A consoante muda já desaparecera em João Batista Drummond, rico brasileiro, barão de patrónimo esquisito, dos Drummonds do Funchal que começaram por ser filhos dos simples Sebastião de Carvalho e Joana Costa.
Ora o João Batista, de amputado "p", é dos meus que até dói. Nascido em 1825, foi tão cidadão do Rio, que lhe deu um bairro castiço: Vila Isabel. A rua principal do bairro chama-se Boulevard 28 de Setembro, data assinalando a Lei Áurea que acabou com a escravidão no Brasil. O barão era progressista e fã da princesa Isabel (neta do nosso D. Pedro IV), a regente que assinou a lei.
O boulevard é tão pomposo como Drummond mas no essencial tem portuguesíssimas pedras de calçada, negras e brancas, desenhando pautas de música, dós e fás passeando-se pelos nossos pés. Uma das canções desenhadas é Cidade Maravilhosa, hino do Rio pela primeira vez cantado, no Carnaval de 1935, por Aurora Miranda, a irmã caçula de Cármen, a de Marco de Canaveses. Por falar em Carnaval, daqui a dias Vila Isabel vai desfilar homenageando Angola, onde fui batizado. Ou "baptizado"? Diz um verso do samba-enredo da homenagem: «Somos cultura que embarca.» Mais "p" ou menos "p", é isso.
In Diário de Notícias de 17 de fevereiro de 2012