O linguajar luandense tem particularidades que não existem noutro local de língua portuguesa.
Embora o português seja já língua-mãe de muitos luandenses, a verdade é que uma língua não existe isolada do que a rodeia, seja a política, a cultura, a sociedade, a história, as classes sociais e os seus costumes.
A língua portuguesa em Luanda sofreu algumas alterações interessantes, especialmente no discurso oral, em grande parte fruto do seu contacto com a língua local, o mbundu (ou kimbundu).
Vamos ver alguns exemplos desse linguajar, ficando o registo de que Luanda é hoje amálgama caótica de culturas e de línguas. Há, então, várias formas de falar português na capital angolana. Uma das mais novas e «esquisitas» é a dos regressados do ex-Zaire, que carregam nos «erres», como se estivessem a falar francês. Os intelectuais e demais pessoas cultas tendem a aproximar-se do «português padrão», falando embora com os sons muito abertos e arrastados.
Os exemplos a seguir podem considerar-se como o português popular de Luanda, mas muitas pessoas cultas também o utilizam.
– «Ele é teu mais velho», em vez de «Ele é mais velho do que tu»
– «Ele é teu mais novo», em vez de «Ele é mais novo do que tu»
– «O João é mais velho do Miala» («O João é mais velho do que o Miala»)
– «O Luís é mais novo do João»
– «O Nelo é mais velho de ti»
Esta maneira de construir a frase vem do kimbundu, que não conhece o «que» comparativo.
– «A Antónia, lhe deram pancada» («Deram pancada à Antónia», «A Antónia apanhou pancada»)
– «O cabrito, comeram-lhe» («Eles comeram o cabrito»)
– «O António, levaram-lhe no aeroporto»
– «A Joana, lhe engravidaram»
– «O Tony, lhe mataram» (nunca: «O Tó, mataram-no»)
Quase não se usa «-no, -na, -nos, -nas», mas: «-lhe, -lhes»:
– «Tragam-lhe cá!», «Amarrem-lhe!», «Matem-lhes!», «Feriram-lhe»
– «O José, feriram-lhe no João» (isto é: «O José foi ferido pelo João», ou «O João feriu o José». Este «no» é o muito usado «ni» kimbundu).
É interessante também notar que o kimbundu não usa as formas «eu nasci, tu nasceste, ele nasceu. nós nascemos, vós nascestes, eles nasceram», mas «nasceram-me, nasceram-te, nasceram-lhe...», respectivamente, «a-ngi-vualela, a-ua-vualela, a-ua-vualela...», à letra: «eles-me-nasceram, eles-te-nasceram, eles-lhe-nasceram...). «Eu nasci em Luanda» - «A-ngi-vualela mu Luanda».
Já não se passa o mesmo com as formas do verbo morrer (Ku fua): «Eu morrerei, ele morreu: eme ngondo fua, muene uafu».
Quando se quer pedir alguma coisa a alguém, diz-se muitas vezes: «Dá só!». O «só» corresponde ao usadíssimo «ngo» kimbundu. Também se usa «Anda só!»
– A palavra «ainda» não precisa do «não»: «Já comeste? Ainda!»
– Muitos luandenses não dizem «Amanhã eu vou aí» mas «Amanhã eu venho aí»
– Os luandenses não dizem «eu desci, tu desceste ele desceu», mas «eu dèscí, tu dèscéste, ele dèsceu», com o som /es/ aberto.
Outras particularidades dos luandenses:
– As horas não se dizem como em Portugal. Não há 1, 2, 3, 4 horas da tarde, nem 8, 9, 10 horas da noite, mas sim 13, 14, 15, 16 horas e 20, 21, 22, 23 horas. Se, à tarde, se combinar alguma coisa, com um luandense, para as 7 horas, ele aparece às 7 da manhã.
– O cumprimento «boa tarde» não começa ao meio-dia, mas depois de almoço.
– As pessoas que se encontram logo de manhã, e que são boas «kimbundistas», cumprimentam-se assim:
– Uazekele? (Dormiste? Subentende-se «kiambote?» - «bem?»)
– Ngazekele kiambote!
– Ni eie? (E tu? – Em kimbundu não existe o tratamento «você»)
– Ngazekele kiambote ue! (Também dormi bem)
– O jindandu jetu? (Os teus parentes?)
– O mam'ami, kiauaba! (A minha mãe está mal)
– Muene uala mu inzo ie? ( Ela está em casa dela?)
– Kiene, uala mu inzo iami. (Não, ela está em minha casa)
E assim sucessivamente, num diálogo arrastado sobre os inúmeros parentes.
Para terminar: o luandense não fala, canta, abre os sons, arrasta as palavras, mas de forma diferente dos brasileiros.