«O Governo brasileiro prevê aplicar o Acordo Ortográfico já no final do primeiro semestre de 2008», disse ao Sol Godofredo de Oliveira Neto, presidente da Comissão de Língua Portuguesa do Ministério da Educação do Brasil. O Brasil espera alinhar a decisão com Portugal, já que «há uma relação estreita entre os dois países nesse sentido». Para Oliveira Neto, a unificação da língua «é importante para melhorar o intercâmbio cultural entre os países lusófonos; para reduzir o custo da produção e tradução de livros, sobretudo didácticos; para criar um idioma de trabalho comum e aproximar os países da CPLP [Comunidade de Países de Língua Portuguesa]».
António Jordão, representante do Instituto Camões em Brasília, e conselheiro cultural da Embaixada de Portugal no Brasil, escusou-se no entanto a adiantar a posição portuguesa, realçando que a discussão está ainda em Conselho de Ministros. Mas o gabinete da ministra da Cultura remeteu a questão para a tutela dos Negócios Estrangeiros, por estar a ser negociada «na esfera diplomática», enquanto o conselheiro cultural do primeiro-ministro, Alexandre Melo, disse desconhecer o assunto.
O Brasil ratificou uma adenda ao Acordo em 2004 e, dois anos depois, juntaram-se-lhe Cabo Verde e São Tomé. Segundo uma decisão tomada por unanimidade pela CPLP, basta haver três países que as corroborem para que as novas regras entrem em vigor e sejam aceites pelos demais países que falam português. Lauro Moreira, embaixador do Brasil junto da CPLP, diz por isso que «tecnicamente [o Acordo] já está em vigor».
Espanhol muito à frente
Lauro Moreira dá um exemplo da importância da uniformização das regras: «O Brasil, que faz 350 milhões de livros didácticos por ano, mandou uma grande quantidade para Angola. Os angolanos ficaram muito satisfeitos, mas de repente deram-se conta de que não podiam distribuí-los. As diferenças ortográficas iam causar uma grande confusão nas crianças». O mesmo responsável resume assim as diferenças entre o português dos dois lados do Atlântico: «No Brasil fala-se de 'bonde' e aqui diz-se 'eléctrico'. Isso é óptimo: ter várias palavras para designar um objecto só enriquece a língua. O que é ruim é a palavra 'eléctrico' escrever-se de uma maneira aqui e de outra no Brasil. Nesse aspecto, os falantes de espanhol estão muito à nossa frente, porque escrevem da mesma maneira em qualquer latitude que estejam».
«Lamentável» e «insólito»
João Malaca Casteleiro – coordenador do polémico Dicionário da Academia – não compreende que Portugal tenha ficado «de fora» da ratificação do protocolo. «É lamentável que desde a saída de Santana Lopes de secretário de Estado da Cultura o assunto tenha ficado esquecido». «Participei activamente na elaboração do texto do Acordo de 1990. Nos textos anexos mostrávamos que com o Acordo se consegue a unificação do vocabulário geral em 98% dos casos».
Já Pedro Santana Lopes disse ao Sol que «deve ser motivo de regozijo para toda a CPLP a nova dinâmica que o processo conheceu por iniciativa do Governo do presidente Lula». Acerca do prazo de dez anos para aplicação do Acordo avançado pela ministra da Cultura em entrevista ao JL, comentou: «Conhecendo o dossiê como conheço, não vejo nenhuma razão para Portugal propor um prazo mais dilatado para a entrada em vigor do Acordo. Considero insólito, até.»
1,6% do vocabulário afectado
São 230 milhões os falantes de língua portuguesa e 6, além de Portugal e Brasil, os países onde a voz soa a português: Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.
Com a respectiva adopção, as diferenças entre o português do Brasil e o de Portugal serão resolvidas na quase totalidade. A unificação da ortografia do português terá alterações na forma escrita em 1,6% do vocabulário usado em Portugal e 0,5% no Brasil. Essa diferença existe porque, segundo Lauro Moreira, «nos anos 70 houve uma reforma ortográfica no Brasil que não foi feita em Portugal. Por exemplo, a palavra 'húmido' passou a 'úmido'». Apesar das mudanças ortográficas, serão conservadas as pronúncias típicas de cada país.
Recorde-se que o Acordo Ortográfico, fruto de negociações entre a Academia Brasileira de Letras e a Academia das Ciências de Lisboa, está engavetado há duas décadas: foi protocolado em Dezembro de 1990 e só em 2001 ganhou novo fôlego quando o Congresso brasileiro aprovou a sua reforma.
A CPLP prevê que as mudanças comecem a ser introduzidas nos três países já a partir de 2008. A fase de transição deverá estender-se por dois anos.
texto publicado pelo semanário Sol, de 1 de Setembro de 2007