No rescaldo das eleições legislativas de 10 de março de 2024 que, oficialmente, terminaram esta semana em Portugal, com a contagem dos votos dos emigrantes e eleição dos últimos deputados, surge a oportunidade de fazer um balanço e passar em revista aquelas que foram algumas das palavras que marcaram o período de campanha e a fase de divulgação dos resultados das votações, sendo de aproveitar para esclarecer certas confusões que algumas delas causaram. Por um lado, se houve termos que, apesar de estranhos aos ouvidos menos atentos, não ofereceram grandes dúvidas, por outro, existem também aqueles que, embora frequentes nestas épocas, causam sempre dificuldades.
Logo na primeira semana de campanha, começou a circular pela imprensa e redes sociais o conhecido vocábulo arruada, que no campo político significa, segundo o dicionário Priberam, «desfile ou passeio nas ruas que, durante uma campanha eleitoral, reúne candidatos e apoiantes de um partido político com o intuito de estabelecer um contacto mais direto com a população». Do ponto de vista morfológico, o nome arruada deriva do verbo arruar que, de acordo com o Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa (DLPACL), entre outras aceções, tem como sentido genérico «andar pelas ruas». O sufixo -ada, que se juntou a este verbo para formar arruada, significa «ação de», acrescentando, portanto, este sentido à designação inicial da palavra, ou seja, neste caso será «ação de se passar pelas ruas».
Outro termo também frequentemente mencionado foi círculo que, no âmbito político, é referente ao «espaço territorial onde os eleitores aí inscritos usam o seu direito de voto» (DLPACL), sendo usado em situações como, por exemplo, «Aqueles deputados pertencem ao círculo eleitoral de Coimbra». Todavia, por vezes, houve quem o confundisse como uma outra palavra semelhante cujo sentido não se adequa ao contexto em que foi empregado, já que não é correto dizer «Falta saber os resultados dos circos da emigração». Embora por vezes alguns acontecimentos da vida política possam assemelhar-se a um espetáculo de variedades, circo deve ser utilizado para mencionar um «recinto circular e coberto destinado a espetáculos com números variados, como acrobacias, prestidigitação, números com palhaços, com cavalos ou outros animais amestrados, etc.» (Priberam).
Para além dos jogos de palavras e tecnicismos, o debate político centrou-se também na discussão de temas relevantes para o país. Entre estes, o mais notório e que mais burburinho gerou foi o tópico relacionado com a imigração e a emigração. Apesar de para muitos a subtil diferença entre estes dois conceitos estar mais do que clarificada, a verdade é que ainda houve quem, por vezes, os confundisse. Mas afinal o que é imigração e emigração? Esta distinção é assinalada pelos prefixos -e e -i: o primeiro veicula um valor semântico de «para fora», ao passo que o segundo apresenta um valor semântico de «para dentro». Quer isto, então, dizer que emigrar consiste no ato de sair do país onde se vive para outro, enquanto imigrar é entrar num novo país a fim de nele se estabelecer. No fundo, estas duas palavras muito semelhantes podem utilizar-se para referir a mesma pessoa, já que um imigrante em Portugal é um emigrante em relação ao seu país de origem. Este caso linguístico assemelha-se a outros como, por exemplo, emergir e imergir, que significam respetivamente, «sair de onde estava mergulhado; vir à superfície» e «mergulhar; afundar-se» (Infopédia).
Virando agora as atenções para a noite em que os resultados das votações nacionais foram divulgados, aparecem dúvidas relativas a dois termos que em alguns contextos são sinónimos, mas não no político. Frequentemente surge a confusão entre abstenção e abstinência, encontrando-se equívocos como «Estas eleições tiveram pouca abstinência». Quando se pretende indicar uma recusa em participar numa ação, em intervir num processo ou num acontecimento, especialmente em atos políticos, eleições ou deliberações, apenas abstenção é o termo adequado. Estas duas palavras são só sinónimas em situações relacionadas com a privação voluntária do uso ou do consumo de alguma coisa, em especial alimentos, já que tanto se pode dizer «Durante o Ramadão, os muçulmanos fazem abstenção de alimentos» ou «Durante o Ramadão, os muçulmanos fazem abstinência de alimentos».
No final da noite, outras duas palavras que ganharam destaque foram bipartidarismo e tripartidarismos, uma vez que o parlamento português deixou de ser bipartidário para passar a tripartidário. Um sistema tripartidário consiste numa «situação política de um Estado em que são somente três os partidos que existem ou são importantes» (Infopédia) e resulta da junção do prefixo tri-, que justamente significa «três», com o termo partidarismo, que é relativo a «um partido político». Por oposição, um sistema bipartidário aplica-se a um «sistema político marcado pela preponderância de apenas dois partidos, que se alternam no exercício do poder» (Infopédia).
Resumidamente, em Portugal, esta época eleitoral caracterizou-se, tal como muitas outras, por um grupo de palavras que serviram para dar sentido a um conjunto de situações que marcaram o ambiente político das últimas semanas. Neste contexto, os vocábulos aqui apresentados não só ajudam a compreender um pouco melhor a situação política do país, como se espera que esclareçam algumas dificuldades de usos que alguns oferecem.