A recente campanha eleitoral autárquica [em Portugal] afinal sempre nos trouxe uma boa novidade. Uma palavra nova que de um momento para o outro entrou no nosso vocabulário. Trata-se da palavra «arruada», que não conhecia.
De repente, a dita «arruada» aparece repetida até à exaustão em todas as televisões. Assim é o mimetismo dos meios de comunicação social dos dias de hoje. Um diz e os outros copiam. Mesmo que não saibam muito bem o que é. Adiante. Interessa é alinhar com a moda. E acharam graça à palavra.
Lá vou eu aos dicionários para ver o significado da «coisa». Após várias consultas – não vale a pena alardear aqui erudição bibliográfica; há dicionários com fartura cá em casa, caramba, sobretudo para compensar a falta da «verdadeira» erudição – leva a palma, como sempre, pela quantidade de vocábulos, o Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado.
«Arruada» existe, sim, senhor, como substantivo masculino: «arruado». E lá temos uma «composição musical tocada por uma banda, enquanto percorre as ruas da cidade», talvez aquilo que mais se aproxima do que se pretendeu dizer. Claro que, neste ponto, descubro uma miríade de palavras com a mesma raiz que aliás assentam que nem uma luva a muito do que se passou no último dia da campanha autárquica.
Um «arruador» é assim um «picão, valentão, que passeia e corre as ruas fazendo mal; desordeiro, galanteador, atrevido». Claro que o que o «arruador» faz é «arruar». Verbo prenhe de significados: «passear frequentemente por, para requestar vadiamente»; «andar a passear pelas ruas com ostentação, a pé ou a cavalo» (admitimos aqui que José Pedro Machado, que infelizmente já não está entre nós, precisasse de actualizar os meios de locomoção do «arruador»); vadiar (pois eu de facto estava a trabalhar enquanto decorriam as «arruadas»).
Mas isto é o «arruador». E como a linguagem é eminentemente masculina. Eis senão quando descobrimos que uma «arruadeira» é uma «mulher que anda muito pelas ruas; mulher andeja; rameira, ambulatriz». Assim é a Língua Portuguesa, apesar de feminina, pouco feminista. Tiro o chapéu com vénia longa a Jerónimo de Sousa, que lançou esta palavra e a aplicou com propriedade e com vénia curta aos jornalistas que a repetiram acriticamente, como aliás acontece muitas vezes, já que em algumas «arruadas» do último dia de campanha não vimos nem sombra de banda ou de música, a menos que fosse a dos candidatos...
Ah, e já agora, mais um significado de «arruar»: «soltarem os animais desgarrados da manada (principalmente os touros) certos mugidos de insatisfação»... Este ficou para último mas só por esquecimento...