« (...) Salvo as muitas e boas excepções, estamos a lidar com uma geração de adolescentes sem qualquer interesse pelo saber, ignorantes de quase tudo, que não lêem nem sabem escrever em português, cujos pais apenas desejam que os filhos tenham aprovação e, se possível, com boas classificações. (...)»
Na sua bem visível luta de há anos e que dão mostras de prosseguir, os professores têm posto a nu algumas vertentes da degradação da Escola Pública, uma deplorável e angustiante realidade. A 8.ª ronda do PISA (programa de avaliação da OCDE), dada a conhecer no ano que findou, mostrou que, em 30 países, Portugal ocupa o 30.º lugar em literacia científica, o 29.º em Matemática e o 24.º em leitura, resultados que nos envergonham e revelam a deplorável e manifesta pouca importância dada a este sector da nossa sociedade.
Com base nas classificações (os rankings, como se tem dito) oficialmente divulgadas, fica claro que escolas públicas más e alunos maus, em quantidade preocupante, são, entre nós, uma vergonhosa realidade. Temos vindo a esvaziar conteúdos e a criar resultados fictícios para mostrar à OCDE. As direcções das escolas são pressionadas no sentido de facilitar as aprovações e os professores são convidados a agir em conformidade. Reprovar um aluno representa, para o professor e para os colegas do conselho de turma, terem de justificar essa decisão em moldes que mais parecem um castigo, a que eles fogem subindo as notas.
Salvo as muitas e boas excepções, estamos a lidar com uma geração de adolescentes sem qualquer interesse pelo saber, ignorantes de quase tudo, que não lêem nem sabem escrever em português, cujos pais apenas desejam que os filhos tenham aprovação e, se possível, com boas classificações. Grande número de pais ou encarregados de educação não está à altura das suas responsabilidades. Pais e encarregados de educação já instruídos e educados no pós-Revolução de Abril, a quem a escola deu, igualmente, muito pouco.
A classe política, no seu todo – a quem os militares de Abril, há 50 anos, generosa, honradamente e de «mão beijada» entregaram os nossos destinos –, mais interessada nas lutas pelo poder, esqueceu-se completamente, entre outras realidades, de facultar conhecimento, civismo – cidadania, em suma –, a uma sociedade que aceitou conduzir.
Entre os sectores da vida nacional que muito pouco beneficiaram com esta abertura à liberdade e à democracia está a educação e, aqui, a escola falhou completamente. A iliteracia cultural e científica, mesmo aos níveis mais básicos, de uma parte importante da nossa população, a todos os níveis socioprofissionais, a sucessiva e elevada abstenção em actos eleitorais, a irracionalidade e violência associada ao futebol e o elevado número de consumidores de programas de TV de mais baixo nível cultural são a prova provada desse falhanço.
São muitos os portugueses a quem a escola deu e continua a dar diplomas, mas não deu e continua a não dar a educação, a formação e a preparação essenciais a uma cidadania plena. Educação, formação e preparação, três grandes défices que o dr. António Costa, em começos do seu mandato, já lá vão oito anos, disse serem a sua grande preocupação, preocupação que, infelizmente, pouco passou das palavras.
Verdadeiros défices na educação, na formação e na preparação para uma cidadania plena abriram as portas a um populismo a que a democracia deu voz e que, usufruindo da liberdade dessa mesma democracia, nos procura arrastar para um modelo de sociedade que a história já mostrou que sempre nos amordaçou, com consequências funestas.
Todos sabemos que se alargou a escolaridade obrigatória e gratuita até ao 12.º ano. E isso foi bom. Foi, mesmo, muito bom. No meu tempo, a escolaridade obrigatória e gratuita era a chamada 3.ª classe (actual 3.º ano). Todos sabemos que o parque escolar deu um grande pulo em frente, comparativamente ao de um passado que nos envergonhava. Mas a verdade é que não chega. Está, mesmo, muito longe de chegar.
Pergunto muitas vezes que infelicidade caiu sobre uma significativa parcela do nosso povo, que rejeita, com o sorriso da ingenuidade ou da iliteracia, tudo o que convide a pensar, a reflectir sobre si mesmo e sobre o que o rodeia. Um mundo, tantas vezes nas mãos de políticos incompetentes e oportunistas de que a nossa sociedade está cheia, onde, de há muito, impera a corrupção, o vírus do futebol profissional e a promiscuidade entre a política, o poder económico e a justiça.
Todos sabemos que há boas e excelentes escolas públicas, que há bons e excelentes professores, que há bons e excelentes alunos, mas o essencial do problema que temos de enfrentar reside na quantidade preocupante de escolas más, professores maus e alunos maus.
A mola real de uma verdadeira e eficaz política de Educação reside na dotação orçamental que lhe é destinada e que tem de ser adequada à importância deste sector na sociedade. Da satisfação desta necessidade depende a resolução de todas as situações e problemas do sector, de há muito, identificados.
A preparação de professores deveria ser pensada de molde a oferecer níveis de excelência compatíveis com a sua importância na sociedade, oferecendo saídas profissionais adequadamente remuneradas e atraentes.
O actual sistema de avaliação dos professores, demasiado injusto, não ajuda a elevar o nível do ensino. Avança-se por quotas e não por mérito. Praticamente, nada avalia. Propostas de avaliações a sério têm sido rejeitadas por parte dos muitos que não querem ou receiam ser avaliados. Neste capítulo, os maus professores, que os há e não são assim tão poucos, os tais que recusam as avaliações a sério e vêem na escola um emprego assegurado até à aposentação, têm contado com o apoio dos sindicatos, que põem ao mesmo nível os bons e os maus profissionais.
É preciso pôr em prática uma rigorosa supervisão científica e pedagógica dos manuais escolares. São muitos os que se repetem acriticamente, com noções estereotipadas e, por vezes, com erros, tantas vezes denunciados.
Impõe-se a necessária dignificação dos professores e educadores, num conjunto de acções, envolvendo salários compatíveis com a sua relevância na sociedade, colocações, libertação de todas as tarefas que não sejam as de ensinar e outras, postas em evidência nas suas reivindicações.
O pessoal não docente representa um conjunto de elementos fundamental no universo do ensino, pelo que é forçoso dar-lhe um tratamento, em termos de dignidade e de salários, a condizer.
É urgente demolir o obsoleto edifício da Educação que temos tido e, em seu lugar, fazer surgir um outro, concebido e levado a cabo numa profícua colaboração entre governos e oposições, para durar três ou mais legislaturas. Desta vez, será necessário ouvir os bons professores (que os há) e dar início a uma campanha poderosa, com base na verdade e no dever patriótico, que entre na poderosa «máquina ministerial», melhore o que tiver de ser melhorado e varra o que tiver de ser varrido.
Termino dizendo que considero que os professores, incluindo os educadores, estão entre os mais importantes pilares da sociedade e que, uma vez mais, é necessário e urgente conferir-lhes o estatuto, a atenção e a dignidade compatível com essa importância.
Artigo da autoria do geólogo e professor catedrático jubilado português António Galopim de Carvalho, transcrito, com a devida vénia, do jornal Público em 20 de março de 2024. Texto escrito segundo a norma ortográfica de 1945.