No episódio do Programa cujo nome estamos legalmente impedidos de dizer do dia 17 de fevereiro de 2024, uma interessante discussão sobre pronúncia foi desencadeada quando o jornalista Carlos Vaz Marques pronunciou o nome da líder do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, com o o aberto, enquanto o humorista Ricardo Araújo Pereira pronunciou M[u]rtágua. A partir desse momento, surgiu uma breve discussão sobre a pronúncia correta não só desse apelido, mas também de outras palavras, como Ronaldo e sofá. Temos aqui, então, bom pretexto para abordar as vogais átonas, neste caso, os valores da vogal o, no português europeu.
Primeiro, é relevante mencionar que o apelido Mortágua deriva do topónimo com o mesmo nome, uma vila portuguesa situada no distrito de Viseu. A origem exata do nome, de acordo com José Pedro Machado (Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa), é obscura, apesar das várias hipóteses que admitem a presença do vocábulo água. A pronúncia do apelido, portanto, não deve diferir da pronúncia do nome da vila. Conforme as regras linguísticas, se o o ocorrer em sílaba átona, ou seja, com menor proeminência relativa na palavra (a sílaba tónica é -ta-), então dá-se a redução vocálica de sonoridade e é pronunciado como [u], o que nos leva a concluir que Ricardo Araújo Pereira está correto. Este mesmo princípio aplica-se a palavras como sofá e Ronaldo, onde o o na primeira sílaba (e também na última sílaba de Ronaldo) é pronunciado como [u], devido à sua posição em sílabas átonas.
No entanto, é importante notar que existem muitos casos de vogais átonas que não obedecem a este processo em que a redução geral se aplica. Por exemplo, a palavra corar surge da «fusão de duas vogais que haviam ficado adjacentes devido à queda da consoante intercalar» (Fundação Calouste Gulbenkian. Gramática do Português, pág. 3315) – colorare>coorar>corar, enquanto absorção (absorptione>absorção) «reflete o efeito restritivo da redução geral numa fase histórica anterior, da presença à direita da vogal ou da sua sílaba de uma consoante (entretanto apagada), seguida de outra consoante heterossilábica com a qual não pode constituir grupo próprio» (ibidem). Além disso, em palavras como voltinha, observa-se que qualquer vogal seguida de l não se fecha, como no caso de derivados de sal, como salgar, que mantém o a aberto na primeira sílaba (s[á]lgar), apesar de ser átona e a tónica corresponder a -gar.
Contudo, como em muitos outros aspetos linguísticos, é importante não se ser categórico nas nossas respostas. Enquanto é verdade que vogais que são excecionais na sua pronúncia podem sofrer redução vocal, em parte devido à frequência de uso da palavra, o oposto também pode ocorrer, especialmente devido à interferência das variantes regionais da língua.
Assim, no caso de um topónimo, a verdade é que regionalmente se pronuncia Mortágua com o o aberto, o que apoia a abordagem de Carlos Vaz Marques. No que diz respeito ao apelido, em última instância, o mais relevante é como Mariana Mortágua pronuncia seu próprio apelido. No entanto, a opção pelo o aberto não parece ser improvável.