« (...) A sílaba tónica, a vogal o nunca se pronuncia u, mas, sim, ô, se for fechada (corpo, sono), ou ó, se for aberta (porta, roda). Em sílaba átona, a vogal o pronuncia-se u quando faz parte de uma sílaba átona de palavra formada de outra em que essa vogal seja tónica e fechada (som ô). Exemplos: encorpar (de corpo), ensonado (de sono), aportar (de porto), agarotado (de garoto). (...)»
A palavra dita, falada, pronunciada, é poderosa.
Foi por meio dela que durante séculos se fez a transmissão da herança cultural dos povos; é ela a portadora do conhecimento nos primeiros contactos entre civilizações diferentes; é por meio dela que comunicamos na esmagadora maioria das situações do dia-a-dia; é, enfim, a forma como usamos a língua ao falar que nos caracteriza como indivíduos, que nos identifica.
Sabemos que em cada região há marcas próprias ao nível da pronúncia das palavras que identificam os seus naturais: trata-se da variação dialectal ou diatópica, que constrói um belíssimo mosaico de pronúncias.
No entanto, independentemente desse tipo de variação, verificamos que há palavras que se pronunciam de uma forma e outras, semelhantes ou da mesma família, que se pronunciam de forma diferente.
Por exemplo, observemos as palavras Porto e Portugal. Na palavra Portugal, a vogal o pronuncia-se u, mas na palavra Porto, na sílaba inicial, pronuncia-se ô. Porquê?
Comecemos pela palavra Porto. Trata-se de um substantivo próprio (ou nome próprio), derivado do substantivo comum porto, proveniente do latim portus. A palavra porto pronuncia-se com a vogal o fechada (ô) na sílaba tónica.
Ora a palavra Portugal é da família do substantivo Porto, mas a vogal o daquela palavra deixa de estar na sílaba tónica: pertence agora a uma sílaba átona anterior à sílaba tónica, tendo, portanto perdido sonoridade e fechando-se ainda mais, passando a pronunciar-se u.
Assim, enunciamos como regra que, na sílaba tónica, a vogal o nunca se pronuncia u, mas, sim, ô, se for fechada (corpo, sono), ou ó, se for aberta (porta, roda). Em sílaba átona, a vogal o pronuncia-se u quando faz parte de uma sílaba átona de palavra formada de outra em que essa vogal seja tónica e fechada (som ô). Exemplos: encorpar (de corpo), ensonado (de sono), aportar (de porto), agarotado (de garoto).
E porque é que a palavra porto no plural passa a pronunciar-se com a vogal o aberta, o que não acontece, por exemplo, com a palavra gosto? Porque é que há substantivos, cuja sílaba tónica contém a vogal o, que se pronunciam com essa vogal fechada, quer no singular, quer no plural (exemplos: acordo, consolo, ferrolho, gosto, piolho) e há outros cuja vogal da sílaba tónica (o) é fechada no singular e aberta no plural (exemplos: almoço, corpo, jogo, ovo, porto)?
Tal acontece essencialmente por questões de etimologia e de influência do timbre da vogal de uma sílaba na de outra que a precede. As palavras porto e gosto são disto exemplo.
O substantivo porto provém do latim portus, cuja vogal o inicialmente era aberta (pronunciava-se ó), mas, ou ainda em latim ou numa fase bastante antiga da língua portuguesa, tornou-se fechada, por influência do som u da sílaba final. Assim, a palavra porto passou a pronunciar-se com a vogal o fechada (ô) na sílaba tónica no singular, mas no plural não aconteceu o mesmo, pois o plural da palavra portuguesa provém do plural latino portos, cuja sílaba final (-tos) tinha a vogal aberta (ó), não provocando, portanto, o fechamento da vogal tónica da sílaba que a precedia.
Quanto ao substantivo gosto, ele provém da palavra latina gustus. Como a vogal da sílaba tónica já era fechada (u), originou em português uma palavra com a sílaba tónica fechada (ô), quer no singular quer no plural.
Em suma, a pronúncia não é arbitrária: tem razões que a etimologia normalmente revela.
A palavra latina portus significava “passagem”, “porta”, “entrada de um porto”, “porto” e, em sentido figurado, “refúgio”, “retiro”. Pertence à família de porta (em português, porta), que tinha o significado de “passagem”, “porta”, “abertura”, “saída” e, em sentido figurado, “começo, princípio”.
Artigo da autora publicado no Diário do Alentejo de 10 de Julho de 2009.