« (...) Alguns pensarão que a adoção de educação bilingue por um país como Moçambique é um erro (...).»
Os países de língua oficial portuguesa são multilingues, convivendo no seu espaço, a par do português, diversas outras línguas, a maioria autóctones, mas também de fronteira, de imigração e estrangeiras, poucas ensinadas nas escolas e outras faladas apenas por minorias. Moçambique é um excelente exemplo desta situação. De acordo com The Ethnologue, o país conta com 42 línguas autóctones, todas pertencentes à família das línguas bantas, além da língua de sinais moçambicana (reconhecida na Constituição de 2004) e do português, língua oficial. Ngunga (2021) (revistas.usp.br/africa/article/view/193963), mostra que a estimativa do número de línguas faladas em Moçambique tem variado, de acordo com os dados disponíveis em cada época, entre as oito e as 41. O Centro de Estudos das Línguas Moçambicanas (NELIMO), que se ocupa da descrição e padronização das línguas moçambicanas, considera 20 línguas; o mesmo Ngunga (2021) considera 21: macua, changana, sena, lómue, chuabo, nianja, xindau, xítsua, nhúngue, yaawo, maconde, tewe, ronga, tonga, chope, manica, cibalke, mwane, koti, suaíli (a forma ortográfica destes nomes varia muito). Importa não esquecer a presença de importantes comunidades falantes de árabe, hindi e urdu.
Em Moçambique, a política linguística é uma questão política crucial, como não poderia deixar de ser, provocando acesas discussões entre uma massa crítica aguerrida e bem preparada. A relação do português com as demais línguas tem sido alvo de intenso debate ao longo dos quase 50 anos de independência e se, num primeiro momento, se assistiu a um forte e quase exclusivo investimento no ensino do e em português, nas últimas décadas o papel das línguas nacionais no desenvolvimento social tem sido progressivamente destacado. O NELIMO foi criado logo na década de 1980 e a educação bilingue vem sendo cada vez mais entendida como um programa que visa responder a questões de equidade, qualidade e justiça social num contexto multilingue e multicultural como é o moçambicano. Assim, o ensino bilingue (com alfabetização em língua local e depois em português) tem vindo a fazer o seu caminho no país.
Entre 1993 e 1997, decorreu, experimentalmente, o Projeto de Escolarização Bilingue em Moçambique (PEBIMO) e, em 2003, as línguas moçambicanas foram incluídas no Sistema Nacional de Educação (SNE). Esta tendência política foi confirmada em 2004, pela inclusão na Constituição da República de Moçambique, do Art.º 9.º, que determina que «O Estado valoriza as línguas nacionais como património cultural e educacional e promove o seu desenvolvimento e utilização crescente como línguas veiculares da nossa identidade». Entre 2003 e 2017, decorreu um projeto-piloto de expansão do ensino bilingue em Moçambique e, em 2018, as línguas moçambicanas foram oficialmente integradas na nova lei do SNE, como línguas de ensino e aprendizagem no nível primário.
Alguns pensarão que a adoção de educação bilingue por um país como Moçambique é um erro (e.g. por implicar investimentos significativos, as línguas nacionais terem âmbito regional, dificultar a vida das crianças); outros temerão o recrudescimento do português; mas, se mais razões não houvesse para a defender, sabemos que os indivíduos bilingues e biletrados apresentam relevante desenvolvimento cognitivo, social, emocional e significativo sucesso nas aprendizagens escolares e ao longo da vida, ficando mais habilitados a ser cidadãos capacitados e contribuir para o desenvolvimento do seu país.
N. E. – Na imagem, mapa das línguas nacionais de Moçambique (de um estudo de Oliver Kröger, publicado em 2005 em língua inglesa).
Artigo da professora universitária e linguista prtuguesa Margarita Correia, transcrito, com a devida vénia, do Diário de Notícias de 13 de novembro de 2023.