Os ecos mediáticos do conflito e das acusações trocadas entre Israel, por um lado, e o Hamas e as autoridades palestinianas, por outro, ativam palavras como mortandade, morticínio e genocídio. Fazendo um exame não especializado, seguem-se breves comentários sobre estes três vocábulos, com algumas linhas finais sobre massacre.
Deve começar-se por dizer que mortandade, do latim mortalitate, tanto pode significar «assassínio», envolvendo intencionalidade, como denotar um número relevante de mortes em consequência de um acidente: «na barragem, registou-se nova mortandade de peixes» – cf. Dicionário Houaiss. Morticínio, provavelmente do latim morticinum («corpo morto»), é sinónimo de mortandade, vincando a crueldade deliberada (cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa – ACL). Genocídio decalca o termo inglês genocide, composto cunhado pelo jurista polaco Raphael Lemkin (1900-1959), a partir do grego génos («raça») e do latim -cidĭum («ação de quem mata ou o seu resultado») – ver em inglês, Online Etymology Dictionary.
No dicionário da ACL, o termo genocídio compreende duas aceções, associando uma dimensão física aterradora à primeira: «crime contra a humanidade, que consiste no extermínio deliberado e sistemático de um grupo nacional, racial, étnico, religioso». Não menos inquietante é a segunda aceção consignada na mesma fonte: «eliminação ou desintegração das instituições sociais, políticas, culturais, da língua e religião de um povo, com o intuito de aniquilar o seu sentimento de identidade coletiva»1.
Resta acrescentar massacre, vocábulo de sonoridade expressiva que vários doutrinadores do bom uso da língua portuguesa durante muito tempo rejeitaram. Com efeito, segundo o já citado Dicionário Houaiss, os puristas recomendavam em seu lugar o já mencionado morticínio, bem como carnificina, matança, humilhação, estafa e abalo moral. O autor normativista Vasco Botelho de Amaral (1912-1980) acrescenta assassínio, chacina e mortandade no Grande Dicionário de Dificuldades e Subtilezas do Idioma Português. Hoje os ânimos linguísticos não andam tão acirrados, e a palavra circula com o seu efeito chocante, como acontece no título de um artigo de opinião de Henrique Cymerman no semanário Expresso (10/10/2023): «O massacre de 7 de outubro vai ter efeitos prolongados.» Ou neste outro, num texto da jornalista Ana França, na mesmo periódico (18/10/2023): «Autoridades de Gaza dizem que é um massacre sobre o povo palestiniano, Israel nega envolvimento [...]»
Tudo palavras disfóricas de uma crise a somar-se a outros conflitos num mundo que se afasta da paz e mergulha na violência. Nada, portanto, que israelitas e palestinianos não tenham conhecido ao longo da sua história remota ou recente.
1 Para uma definição de genocídio como crime, consulte-se o Lexionário, um dicionário jurídico para apoio da compreensão dos atos legislativos publicados no Diário da República, em Portugal.
Na imagem, A Guerra (1894) de Henri Rousseau (1844-1910).