A semana de 16 a 20 de outubro de 2023 ficou marcada com o agravamento da guerra Israel-Hamas e a tensão no Médio Oriente, depois de o movimento islamista palestiniano Hamas, dominante na Faixa de Gaza, ter lançado em 7 de outubro um ataque surpresa a Israel, provocando, segundo as primeiras informações, mais de 300 mortos e «números inimagináveis» de reféns levados para Gaza. Com os imdiatps bombardeamentos de Israel – antes ainda de um anunciada «ofensiva por ar, terra e mar» contra o território da Faixa de Gaza –, ocasionando «mais de 3,4 mil palestinianos mortos», segundo a ONU, e uma debandada de parte dos 2,5 milhões palestinianos aí residentes.
Perante estes acontecimentos, os principais líderes mundiais têm-se desdobrado em apelos para um cessar-fogo nesta região do Médio Oriente, com uma cobertura detalhada dos media mundiais, tanto do lado israelita como no território palestiniano.
Ora, se em momentos de crise e de tensão política, económica, social e religiosa, como é o caso, o terreno é fértil para o surgimento de novas palavras (veja-se o caso do léxico da guerra Rússia-Ucrânia), também ressurgem expressões que, não sendo novas, são recorrentes nos discursos e na comunicação social. Aqui, neste caso, expressões com o adjetivo humanitário1, são aquelas que mais saltam à vista.
De facto, uma passagem rápida pelas notícias revela-nos como mais correntes as expressões «ajuda humanitária», «direito humanitário», «apoio humanitário» e o bastante discutível, se não incorreto, «desastre humanitário»2: «Ajuda humanitária pode começar a chegar a Gaza amanhã. Sunak está em Israel» (Público, 19/10/2023), «António Costa tem duas certezas: o que Israel está a fazer é "violar o direito humanitário", o que o Hamas fez é "terrorismo"» (CNN Portugal, 18/10/2023), «Bruxelas vai triplicar o apoio humanitário a Gaza» (RTP, 19/10/2023), «“Já estamos num nível nunca antes visto”: potencial de desastre humanitário em Gaza é “gigantesco”» (CNN Portugal, 12/10/2023).
Menos comuns são, talvez, expressões como «cessar-fogo humanitário», «corredor humanitário», «comboio humanitário», «cordão humanitário» e «acesso humanitário». E em que contextos as encontramos? Por exemplo:
– «Guterres condena ataque a hospital de Gaza e apela a cessar-fogo humanitário imediato» (Diário de Notícias, 18/10/2023), ou seja, por «cessar-fogo humanitário» entende-se uma pausa nas hostilidades por forma a que ajuda (cuidados médicos, distribuição de alimentos, por exemplo) chegue às pessoas em zona de conflito.
– Já por “corredor humanitário” – «Corredor humanitário durante uma guerra: como funciona?» (CNN Brasil, 17/10/2023) – entende-se a criação de uma passagem segura e protegida em áreas de conflito que permita o transporte seguro de civis e a entrada de ajuda. Esses corredores são criados por meio de acordos entre as partes em conflito.
– Por outro lado, temos o «comboio humanitário» – «Comboio humanitário prepara-se para entrar em Gaza» (CNN Portugal, 16/10/2023) –, o qual corresponde a um conjunto de veículos que pretendem levar ajuda de forma segura e eficaz aos necessitados em zonas de conflito.
– Por fim, em «"Só Deus poderá ajudar": médicos pedem criação de cordão humanitário em Gaza» (SICi Notícias, 12/10/2023) e «Programa Alimentar da ONU pede acesso humanitário às zonas de guerra» (Diário de Notícias, 09/10/2023), títulos em que «cordão humanitário» e «acesso humanitário» são expressões intrinsecamente associáveis a «corredor humanitário» e «comboio humanitário», também elas relacionadas ao fornecimento de assistência em áreas afetadas por conflitos. No entanto, se «cordão humanitário» está próximo, semanticamente, de «corredor humanitário», a expressão «acesso humanitário» abrange todas as ações necessárias para garantir que a assistência é entregue em áreas afetadas por crises, englobando, portanto, os corredores, os cordões e os comboios humanitários.
1 Não se pretender discutir se o uso de humanitário está correto. Para o efeito, muito se tem escrito sobre o assunto no Ciberdúvidas. Sugere-se a leitura da resposta "Ainda a propósito de humanitário". Ver também Textos Relacionados.
2 Ver "'Crise humanitária', expressão válida?", de D'Silvas Filho.