A Procura da Língua Perfeita, de Umberto Eco, foi publicada de novo em Portugal, com a chancela da Gradiva e com tradução de Miguel Serras Pereira.
Trata-se de uma obra de grande densidade que se propõe trilhar os percursos das civilizações europeias em busca da língua perfeita. Partindo do texto bíblico e do mito da língua dada por Deus a Adão, o autor dedica a primeira parte do seu livro às propostas de redescoberta da língua considerada originária e, portanto, perfeita. Uma língua que seria anterior à maldição da Torre de Babel. Numa análise que sublinha as tensões religiosas associadas a esta temática, o leitor pode conhecer propostas que vão da Cabala à Torá, de Dante a Raimundo Lúlio, um conjunto de caminhos seguido em busca da língua primordial, da qual derivariam todas as outras.
De seguida, o leitor é conduzido numa viagem às tentativas de reconstrução das línguas ditas originárias, propostas que assentam em muito nos estudos das famílias de línguas, na procura de uma gramática comum que entronca na tentativa de compreensão do processo de criação das línguas, uma heurística que se afasta gradualmente do conceito de origem divina da língua para aderir à conceção da poligénese das línguas. Eco analisa e apresenta desenvolvidamente um conjunto de propostas que denotam os esforços desenvolvidos para identificar a dita língua-mãe, que seria anterior ao próprio hebraico. Aqui reencontramos a tão conhecida tese do indo-europeu, que ao entrar em conflito com outras visões já existentes mostra como as questões linguísticas estão igualmente ao serviço da ideologia e da política, chegando inclusive a sustentar teses nacionalistas, mais ou menos realistas.
O leitor pode também contactar com um conjunto alargado de projetos que visaram a construção das línguas artificiais, constructos em busca da perfeição da expressão (as línguas filosóficas a priori) ou da perfeição da universalidade (as línguas internacionais a posteriori). Entre elas, Eco identifica o esperanto, um projeto de língua internacional que visa otimizar os sistemas já existentes.
Em vários momentos, o autor aborda ainda as chamadas línguas mágicas, ora redescobertas ora reconstruídas em contextos mais ou menos místicos ou mesmo de secretismo iniciático.
A Procura da Língua Perfeita revela-se merecedor de uma leitura que desencadeia uma reflexão aprofundada sobre a importância da língua, seja esta concebida como única, perdida, divina ou bem terrena. Como conclui Umberto Eco: «A língua-mãe não era uma língua única, mas o conjunto de todas as línguas. Talvez Adão não tivesse possuído esse dom, talvez ele lhe tivesse sido apenas prometido, tendo o pecado original vindo interromper a sua longa aprendizagem. Mas coube como herança aos seus filhos a conquista da mestria reconciliada e plena da Torre de Babel.» (p. 416)
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