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Políticas linguísticas e educativas na Turquia de Erdoğan
Políticas linguísticas e educativas
na Turquia de Erdoğan
A mudança do nome internacional do Estado turco

« (...) Há quem sustente que a mudança tem razões linguísticas: a homonímia entre os nomes Turkey turkey (peru), mas a homonímia (duas palavras diferentes com a mesma forma escrita e oral) é um fenómeno natural e, na escrita, a maiúscula inicial distingue o topónimo (...)»

 

Em 2023, passam 100 anos sobre a proclamação da República da Turquia, sob o comando de Mustafa Kemal Atatürk, herói da Guerra de Independência e primeiro presidente. Atatürk levou a cabo importantes reformas visando a criação de um estado moderno, sustentadas na ocidentalização e secularismo que caracterizam o kemalismo. O primeiro século da República da Turquia caracterizou-se por diversas mudanças de regime, muitas vezes tumultuosas e sangrentas. Desde o início do século, Recep Tayyip Erdoğan assumiu diversos cargos políticos, tornando-se em 2014 presidente da Turquia. O partido que lidera, o AKP, diz-se secularista e recusa o rótulo de islâmico; porém, a política praticada contraria esses postulados, havendo quem associe a ascensão de Erdoğan ao fim do kemalismo.

Muito se ouviu falar da Turquia ao longo de 2022, principalmente devido ao veto do país à entrada da Suécia e da Finlândia na NATO e ao papel de mediador entre RússiaUcrânia durante a crise dos cereais. Há dias, foram as acusações da comunidade curda em Paris de que os serviços secretos turcos teriam estado por detrás do atentado de 23 de dezembro. Certo é que a Turquia de Erdoğan tem reforçado o seu poder militar e diplomático, enquanto, internamente, promove o nacionalismo, o neo-otomanismo e a autocracia, afastando-se dos valores kemalistas. Evidentemente, as políticas linguísticas do regime acompanham este percurso.

A 1 de junho de 2022, a Turquia fez chegar ao secretário-geral da ONU uma carta solicitando a mudança do nome da Turkey para Türkiye em todas as situações, pedido aceite de imediato. Organização. Türkiye é a forma do topónimo em língua turca. Note-se que não se trata de uma mudança de nome (como com os Países Baixos), mas de uma alteração ortográfica na língua inglesa (usada pela Turquia na ONU) e a pronúncia não sofre alteração significativa. De acordo com fontes anglófonas, a mudança é qualificada como rebrand, mudança de marca comercial. De facto, em dezembro de 2021, Erdoğan justificou esta mudança como forma de melhor representar a cultura e valores turcos e pediu o uso da etiqueta Made in Türkiye, proposta pela Assembleia dos Exportadores Turcos; em janeiro de 2022 foi lançada uma campanha mundial de promoção turística com a nova grafia do nome.

Há quem sustente que a mudança tem razões linguísticas: a homonímia entre os nomes Turkey turkey (peru) mas a homonímia (duas palavras diferentes com a mesma forma escrita e oral) é um fenómeno natural e, na escrita, a maiúscula inicial distingue o topónimo  vd. Peru e Camarões. As razões são de base política.

Usar a forma Türkiye em inglês significa introduzir uma letra que não existe no seu alfabeto, o ü. A maioria dos media em língua inglesa usam a forma antiga e os dicionários online mantêm-na na definição de Turkish. O impacto desta medida na língua inglesa adivinha-se nulo: o ü estará condenado a desaparecer nos computadores cujos teclados não têm tecla específica. O importante é notar que esta é mais uma medida do governo para reconfigurar a cultura e a sociedade turcas, a par de outras referidas nos media e em publicações académicas – e.g. a introdução do ensino do árabe como língua segunda a partir do 2.º ano, a par da do curdo como opcional a partir do 5.º, mas sem professores para satisfazer a demanda; a intenção de revitalizar e tornar obrigatório o ensino do turco-otomano, escrito em alfabeto árabe; ou a introdução de conteúdos pró-jiadistas nos manuais escolares.

Fonte

Crónica publicada no Diário de Notícias em 2 de janeiro de 2023.

Sobre a autora

Margarita Correia, professora  auxiliar da Faculdade de Letras de Lisboa e investigadora do ILTEC-CELGA. Coordenadora do Portal da Língua Portuguesa. Entre outras obras, publicou Os Dicionários Portugueses (Lisboa, Caminho, 2009) e, em coautoria, Inovação Lexical em Português (Lisboa, Colibri, 2005) e Neologia do Português (São Paulo, 2010). Mais informação aqui. Presidente do Conselho Científico do Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP) desde 10 de maio de 2018. Ver, ainda: Entrevista com Margarita Correia, na edição número 42 (agosto de 2022) da revista digital brasileira Caderno Seminal.