A Eslovénia, Portugal e suas políticas linguísticas respetivas - Diversidades - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Início Outros Diversidades Artigo
A Eslovénia, Portugal e suas políticas linguísticas respetivas
A Eslovénia, Portugal
e suas políticas linguísticas respetivas
Diferenças... chocantes

« (...) [E]m Portugal nunca conheci nenhum serviço linguístico ou documento definidor da política linguística nacional. (...)»

 

1545311711306_Computador.pngA propósito do recente impacto do ChatGPT no espaço noticioso português e da publicação de Língua portuguesa e tecnologia: o futuro é agora (Laborinho e Branco, Público, 09/02), dei comigo a navegar pelas entidades responsáveis pelas línguas de países e regiões europeus, buscando políticas praticadas nos respetivos espaços sobre "tecnologia da língua". O ChatGPT é uma plataforma aberta de inteligência artificial, que conversa com o utilizador numa sala de chat, i.e. a máquina interage com o ser humano e os resultados da conversa são absolutamente surpreendentes. A plataforma foi criada e disponibilizada em 2022, mas em Portugal só há poucas semanas se ouviu falar dela no espaço público. Parafraseando Laborinho e Branco, «o futuro já está a acontecer»!

A navegação levou-me a vários documentos definidores de políticas linguísticas (Finlândia, Noruega, Lituânia, Gales, Irlanda...), de leitura sempre estimulante. Como exemplo de alguns uns deles, trago os da Eslovénia, Estado-membro da UE, que confina, no sentido horário, a norte com a Áustria, CroáciaMar Adriático e Itália. Fez parte da ex-Jugoslávia até 1991 e a sua língua oficial é o esloveno, uma língua eslava. O país conta com um Serviço Linguístico Esloveno, sob alçada governamental, que analisa a situação linguística no país e no exterior, desenvolve diretrizes e programas de política linguística e responde a dificuldades dos cidadãos no uso da língua. Imagine-se!

Não encontrei uma, mas três Resoluções do Programa Nacional para a Política Linguística Nacional (2007-11; 2014-18; 2021-25), todas aprovadas pelas mais altas instâncias. Imagine-se! Não consegui ler a primeira, pelo que me referirei às duas últimas, disponíveis em inglês.

A Resolução para 14-18 está dividida em duas partes. Na introdução, estabelecem-se as premissas e apresenta-se a análise da situação e enquadramento da Resolução, a visão de política linguística adotada e as instituições envolvidas na sua execução. A segunda parte (Sumário da política linguística para 2914-18, com objetivos e medidas) está dividida em quatro tópicos: 1) educação e línguas; 2) infraestrutura linguística; 3) aspetos legais; 4) o esloveno como língua oficial da UE. No subcapítulo 2) abordam-se os seguintes temas: descrição linguística, estandardização, terminologia e multilinguismo, tecnologias da língua, digitalização e pessoas com necessidades especiais.

A Resolução para 21-25 é bastante mais elaborada e rica, resultando da análise do panorama linguístico e da avaliação dos resultados da resolução de 14-18 (imagine-se!), e contém duas partes. A primeira inclui os tópicos da Resolução anterior, acrescentando a gestão linguística da presidência eslovena do Conselho da UE (julho-dezembro, 2021). A segunda (Desenho da política linguística para 2021-25) é constituída por objetivos (e metas), organizados em: de âmbito geral; relativos a edução (incluindo esloveno, húngaro, italiano e línguas minoritárias, língua gestual e estrangeiras); à infraestrutura linguística; à legislação; ao esloveno como língua oficial da UE.

A Eslovénia é um pequeno e jovem país de cerca de 2,1 milhões de habitantes; Portugal é um pequeno e velho país de 10 milhões, berço de uma das línguas mais faladas no mundo. Na Eslovénia, existe o que apresentei; já em Portugal nunca conheci nenhum serviço linguístico ou documento definidor da política linguística nacional. Talvez eu ande distraída. Por favor, se alguém encontrar algo do género por cá, avise. Dão-se alvíssaras! 

Fonte

Artigo da linguista e professora universitária portuguesa Margarita Correia, transcrito, com a devida vénia, do Diário de Notícias, com a data de 13 de fevereiro de 2023.

Sobre a autora

Margarita Correia, professora  auxiliar da Faculdade de Letras de Lisboa e investigadora do ILTEC-CELGA. Coordenadora do Portal da Língua Portuguesa. Entre outras obras, publicou Os Dicionários Portugueses (Lisboa, Caminho, 2009) e, em coautoria, Inovação Lexical em Português (Lisboa, Colibri, 2005) e Neologia do Português (São Paulo, 2010). Mais informação aqui. Presidente do Conselho Científico do Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP) desde 10 de maio de 2018. Ver, ainda: Entrevista com Margarita Correia, na edição número 42 (agosto de 2022) da revista digital brasileira Caderno Seminal.