«(...) O facto de a língua curda não se encontrar estandardizada – i.e. a sua forma convencional não estar estabelecida e codificada – contribui também para a sua fragilidade. (...)»
Muito se falou nos últimos meses do Curdistão e do povo curdo, devido ao veto que a Turquia pretende impor à adesão da Suécia à NATO, com base no argumento de este país dar proteção a nacionalistas curdos e militantes do PKK (Partidos dos Trabalhadores do Curdistão), que a Turquia considera e quer ver considerados internacionalmente como terroristas.
O Curdistão é uma grande região histórico-cultural de cerca de 500 mil km2, que abrange regiões da Turquia, Síria, Irão e Iraque; nestes dois países são reconhecidas, respetivamente, a província do Curdistão e a Região Autónoma Curda. Estima-se que haja entre 30 e 45 milhões de curdos, distribuídos pelos quatro países referidos (cerca de metade na Turquia) e por uma extensa diáspora, especialmente na Alemanha. Os curdos constituem a quarta maior etnia da Ásia Ocidental, depois dos árabes, persas e turcos, mas o "Estado Curdo", prometido pelos aliados ocidentais em 1922, nunca se concretizou e o nacionalismo curdo é duramente reprimido na região e convenientemente obnubilado pela comunidade internacional: a Suécia constitui uma exceção. De resto, a história recente dos curdos é feita de luta armada, genocídio, massacres e de traições da comunidade internacional.
A língua curda reflete a conturbada história do povo – aqueles que o reprimem atacam também a sua identidade e a sua língua, através de processos sistemáticos de assimilação, que têm conduzido a um decréscimo significativo de falantes de curdo no Curdistão do Norte (Turquia) e à sua substituição pelo turco. O facto de a língua curda não se encontrar estandardizada – i.e. a sua forma convencional não estar estabelecida e codificada – contribui também para a sua fragilidade.
O curdo é uma língua indo-europeia, pertencente ao ramo iraniano, juntamente com o persa, o pastó e o balúchi, com as quais partilha muitas características. Não é consensual a divisão dos dialetos (variedades regionais) do curdo, mas fontes académicas defendem a existência de quatro dialetos: o curdo setentrional ou curmânji, o mais falado de todos, na Turquia, Síria, Iraque, nordeste e noroeste do Irão; o curdo central ou sorâni, falado sobretudo no Curdistão Iraquiano e na província iraniana do Curdistão; o curdo meridional ou pehlewani, falado em províncias do Iraque e do Irão; e o zaza-gorani (duas línguas iranianas faladas no noroeste do Irão) que, embora não seja estritamente curdo do ponto de vista linguístico, é incluído nos dialetos desta língua porque os seus falantes se afirmam como membros da etnia curda, constituindo uma "comunidade imaginada" (Anderson, 1999, Imagined Communities). Devido à grande dispersão geográfica e a variadas e difíceis condições sociais e linguísticas, a inteligibilidade entre falantes dos vários dialetos de curdo (linguisticamente, condição sine qua non para se falar de dialetos e não de línguas diferentes) encontra-se fortemente comprometida.
Cf. Resistência curda: guerra, terremotos e autonomia
Artigo da linguista e professora universitária portuguesa Margarita Correia, publicado no Diário de Notícias no dia 30 de janeiro de 2023.