«(...) Quando os alunos me perguntam porque não existe qualquer coisa do tipo do TermCat para a língua portuguesa, lá vou argumentando com a situação geopolítica do catalão ser muito diferente da do português, com a falta de recursos, de interesse, de uma discussão séria sobre a política linguística do português.(... )»
Numa aula da semana passada, mostrando recursos terminológicos em geral, revisitei a página do TermCat – Centre de Terminologia de la Llengua Catalana, que foi criado em 1985, pela Generalitat de Catalunya e o Institut d"Estudis Catalans, e que tem como missão coordenar a atividade terminológica em língua catalã, por meio da prestação de serviços de qualidade, da criação de produtos terminológicos e da normalização de neologismos, de modo a garantir a disponibilidade da terminologia catalã em todos os setores de conhecimento e atividade, favorecendo o seu uso.
A criação do TermCat em 1985 não surpreenderá os mais atentos a questões de política linguística. Em 1978, a publicação da Constituição Espanhola, visando a consolidação do "Estado social e democrático de Direito", prevê, no seu artigo 3, que «1) O castelhano é a língua espanhola oficial do Estado (...)» e «2) As restantes línguas espanholas serão também oficiais nas respetivas Comunidades Autónomas de acordo com os seus Estatutos» [tradução minha]. Os Estatutos da Autonomia Catalã (de 1979; texto consolidado em 2013, art. 6, pontos 1. e 2.) determinam que o catalão é a «língua própria», «de uso normal» ("preferente", termo declarado inconstitucional) e "oficial"; proclamam ainda a língua occitana chamada aranês, língua própria do vale de Arão, também oficial na região (5.).
Não é, ainda, alheia à criação do TermCat a realização em Barcelona dos Jogos Olímpicos de 1992, cujo processo de candidatura começou a ser preparado dez anos antes. Os Jogos proporcionaram uma transformação profunda da cidade de Barcelona, da sociedade catalã e, ainda, uma oportunidade extraordinária (e bem aproveitada!) de promover o fortalecimento do catalão como língua de comunicação especializada. No âmbito da organização dos Jogos, o TermCat levou a cabo a compilação e definição de toda a terminologia desportiva que se previa que fosse usada, em catalão, castelhano, inglês e francês, publicando, entre 1991 e 1992, 29 dicionários específicos de modalidades e um dicionário geral de terminologia desportiva, recursos ainda hoje disponíveis, aberta e gratuitamente, na página do Termcat. Este trabalho dotou a língua catalã de terminologia de que não dispunha ou não tinha sistematizada, ao mesmo tempo que permitiu aos organizadores, intérpretes e jornalistas comunicar e difundir conceitos especializados com precisão.
Consultando hoje a página do Centro, é visível que este se configurou como um verdadeiro serviço público para todos os que usam o catalão como objeto ou instrumento de trabalho, fornecendo informação fundamentada, clara e atual sobre os termos das diversas áreas do saber. Abrindo hoje a página do TermCat, encontro em destaque uma infografia interativa com os termos-chave para entender a erupção vulcânica, informação sobre terminologia da crise climática e da meteorologia, e o «termo da semana», assinalando o Dia Mundial do Acidente Vascular Cerebral (ictus em catalão).
Quando os alunos me perguntam porque não existe qualquer coisa do tipo do TermCat para a língua portuguesa, lá vou argumentando com a situação geopolítica do catalão ser muito diferente da do português, com a falta de recursos, de interesse, de uma discussão séria sobre a política linguística do português... Mas confesso que me é cada vez mais difícil alinhavar uma explicação minimamente aceitável para o descaso que as sociedades de língua portuguesa manifestam relativamente ao seu principal património comum.
Um artigo de opinião da autora, publicado em 1 de novembro de 2021 no Diário de Notícias.