« (...) O fado reservado à língua portuguesa é incompreensível à luz do tratamento reservado às restantes línguas. (...)»
Em França, a língua portuguesa encontra-se numa situação de declínio por razões orçamentais, mas também por falta de consideração, ou ainda, por falta de afirmação e de real vontade política. Até agora, o português ainda não se tornou uma disciplina de maior importância nas universidades francesas. A errónea concepção de uma língua pouco útil incentivou os decisores a limitar o recrutamento de docentes de Português tanto no âmbito do ensino secundário como no ensino superior.
Os representantes políticos esquecem, ou pior ainda, desconhecem, que a importância de um idioma não se mede, apenas, pelo número de falantes e da influência diplomática ou poderio económico dos países em que é utilizado. Por isso, o grande desafio é o de promover o ensino do português como língua estrangeira vocacionada para o mundo dos negócios.
Uma missão para a qual os recursos educacionais (livros, métodos, etc.) ainda existem em número muito limitado e de uma forma muito incompleta. A Universidade da Sorbonne Nouvelle prossegue esforços no sentido de colmatar estas lacunas, tornando a oferta do ensino do português suficientemente alargada para responder a todas as solicitações dos estudantes. Percebe-se, cada vez mais intensamente, que o domínio do português potencia oportunidades de negócio e, por esse motivo, não por acaso, países como a China elegeram a aprendizagem da nossa língua como objectivo estratégico. Não é fortuitamente que na Universidade da Sorbonne Nouvelle sempre tivemos estudantes chineses, árabes e russos a inscreverem-se para aprender o português, sempre em conjugação com outros idiomas. No Instituto do Mundo Lusófono também apostamos, claramente, no ensino do Português de Negócios como língua de especialidade, com currículos especificamente vocacionados para o mundo empresarial. Mas, claro está, ainda há um trabalho importante a fazer no domínio da língua de especialidade, que pode vir a atestar o potencial económico da língua portuguesa, aliado ao facto de constituir, também, um importante instrumento de desenvolvimento humano.
O fado reservado à língua portuguesa é incompreensível à luz do tratamento reservado às restantes línguas. Com efeito, se todas as línguas são iguais em dignidade, isso não acontece a nível do seu uso e da sua dimensão internacional. A França celebrou acordos bilaterais com Portugal e Brasil relativos ao ensino das respectivas línguas. Então, o que tem sido factualmente concretizado por Portugal nesta matéria? O que concebem os nossos representantes políticos? Recomenda-se que alcancem: A Europa dos cidadãos só pode edificar-se sobre a Europa das línguas.
Por outro lado, admite-se que este comportamento pouco compreensível possa decorrer de um certo complexo de inferioridade que ainda vai grassando na mente de alguns pseudoiluminados, os quais, apesar de tudo, ainda vão tendo algum poder de decisão...
Inferioridade porquê?
Baseada em que factos?
Somos um país com oitocentos anos de História. Propagámos a nossa língua, a nossa cultura e o nosso saber pelos cinco continentes do mundo.
Influenciamos e potenciamos o desenvolvimento humano em todas essas latitudes. Sempre em português e fomentando o comércio, as trocas comerciais, legando ao mundo o conhecimento de realidades e produtos muito diversos.
A competência e [o mérito] dos portugueses espalhados pelo mundo [são conhecidos e reconhecidos], bem como as suas capacidades de trabalho, de esforço e de autoprogressão! Actualmente, de forma inequívoca, em todas as áreas de conhecimento: nas Ciências, nas Artes, no Ensino, nas áreas técnicas, no Desporto, etc.
Os Portugueses no Mundo – e, concomitantemente, a Língua Portuguesa no Mundo – constituem uma mais-valia incalculável da qual urge tirar partido e, sobretudo, afirmar e desenvolver sem medos!
Haja ousadia para se organizar e promover a nível internacional (por exemplo muito simbolicamente em Bruxelas) uma verdadeira mostra da Cultura Portuguesa, um grande Festival Internacional de Cultura Portuguesa, que englobe todas as Artes, apresentando-as significativa e condignamente: Música, Literatura, Pintura e Escultura, Cinema, Teatro, Dança, etc. e ver-se-á o pasmo dos estrangeiros que dele fruírem e que o possam testemunhar!...
Mais ainda, estou convencida que, se avançássemos corajosamente com uma iniciativa desta magnitude e gabarito, não tardaríamos a ser "copiados" por todos os estados membros da União Europeia, pois uma acção com estes objectivos nada tem que ver (por exemplo) com as Capitais Europeias da Cultura, as quais, em boa verdade, ainda não consegui deslindar para que servem verdadeiramente nem o que está na sua génese e no seu fulcro...
E, de uma vez por todas, deixemo-nos de complexos periféricos e de pequenez – não só totalmente descabidos como, nos dias de hoje, verdadeiramente inadmissíveis.
O que há é muito trabalho a fazer.
E nisso, os portugueses, quando querem, são efectivamente muito bons! É preciso é querer e fazer!
Pela minha parte, continuarei, na medida das minhas possibilidades – muito concretamente através das múltiplas acções do Instituto do Mundo Lusófono -- a dar o meu contributo com vista à concretização da mudança deste paradigma.
Porque Portugal merece.
E porque a Língua Portuguesa merece.
Artigo da professora universitária Isabelle de Oliveira (Université des Cultures, Sorbonne Nouvelle), transcrito, com a devida vénia, do Diário de Notícias de 22 de outubro de 2023.