A Conferência Internacional sobre as Línguas Portuguesa e Espanhola, CILPE-2022 (Brasília, 16-18 de fevereiro), da Organização de Estados Ibero-americanos (OEI) e subordinada ao tema "Línguas, cultura, ciência e inovação", foi palco para a apresentação do relatório O português e o espanhol na ciência: notas para um conhecimento diverso e acessível (disponíve online), resultante de uma recomendação da primeira CILPE (Lisboa, 2019). O relatório visou identificar a situação das línguas portuguesa e espanhola na produção e divulgação cientificas, além de caracterizar as principais resistências a uma ciência aberta e multilingue, que o capítulo 3 do documento sintetiza em três tensões.
A primeira tensão resulta da orientação da ciência (quase integralmente resultante de investimento público, na OEI) para a publicação de artigos em revistas de circulação internacional, com elevados «índices de impacto» (baseados no princípio de que as publicações mais citadas são melhores que as menos citadas). Estas revistas são frequentemente promovidas por grandes editoras cientificas internacionais e publicadas em inglês. As publicações constituem atualmente quase o único critério para a avaliação da atividade de investigação, a promoção profissional dos investigadores e a atribuição de incentivos financeiros na carreira científica, facto particularmente expressivo no contexto europeu, em que Portugal se inclui.
A segunda é a tensão entre, por um lado, o livre acesso ao conhecimento científico e, por outro, a comercialização de conteúdos através da subscrição, pelas instituições públicas, de grandes bases de dados administradas por grandes empresas transnacionais, que produzem os índices que avaliam a importância dos conteúdos que vendem.
A terceira tensão resulta da substituição sistemática das línguas dos investigadores pelo inglês nas publicações cientificas, com impacto nos autores (que só poderão aceder às revistas com maior "índice de impacto" escrevendo em inglês) e nas próprias revistas, mesmo as produzidas em espaços não anglófonos (que, publicando em inglês, terão maiores possibilidades de obter prestígio nos índices bibliométricos).
As línguas portuguesa e espanhola são afetadas por estas resistências e ocupam, ao nível das publicações científicas indexadas, lugares bem abaixo dos previsíveis em função do seu número de falantes e da sua importância geoestratégica. Se, por um lado, é certo que a anglofonização global da ciência é benéfica como ferramenta de colaboração, de pluralidade e de inclusão, além de ser uma consequência da globalização da produção e da circulação cientifica no atual contexto geopolítico, é igualmente certo, por outro lado, que ela tem consequências nocivas para o desenvolvimento, como a exclusão de investigadores e académicos que não escrevem em inglês e o distanciamento das comunidades dos leitores, os próprios cientistas e os demais setores sociais, cada vez mais interessados e dependentes do conhecimento científico.
O relatório, leitura imprescindível para uma visão panorâmica, apresenta um conjunto de recomendações para o desenvolvimento da ciência em português, espanhol e principais línguas nativas da região. Entre elas destaca-se sobremaneira a promoção de ferramentas de circulação de acesso aberto do conhecimento científico, que permitam uma aproximação efetiva entre as comunidades científicas e as sociedades a que pertencem e servem.
Artigo de opinião publicado no Diário de Notícias em 4 de abril de 2022.