«Os últimos anos têm sido pródigos no (re)aparecimento de doenças novas e de outras que julgávamos extintas ou confinadas a outros espaços – e.g. a sida, a covid-19, a tuberculose, o sarampo –, gerando palavras novas ou o reaparecimento de outras.»
Doença é uma «alteração do estado normal de saúde de um ser, que se manifesta por sinais ou sintomas, que podem ser percetíveis ou não» (Infopédia) e o nome vem do latim dolentĭa, de dolēre, que significa «sentir dor».
As doenças têm um nome científico, criado pelos especialistas e muitas vezes acompanhado de uma forma abreviada, que se baseia geralmente na sua etiologia (causa); a par desse nome científico, as comunidades linguísticas criam quase sempre um ou mais nomes correntes, motivados pelos seus sintomas, sinais e outras características apreensíveis a olho nu – e.g. parotidite (infeção das parótidas) e papeira (papo inchado); encefalopatia espongiforme bovina (doença dos bovinos, cujo cérebro adquire o aspeto de esponja) e doença das vacas loucas; rinite alérgica (inflamação das mucosas nasais resultante de alergia) e febre dos fenos. Além de geralmente diferentes, os nomes científico e corrente desempenham funções diferentes na comunidade e na comunicação: o nome científico pode bem ser mais ou menos críptico (e.g. formas braquigráficas, palavras estrangeiras), mas deve ser monossémico (ter um só significado), reconhecido pela comunidade científica e as autoridades de saúde, permitindo-lhes falar, entre elas, sem ambiguidades; o nome corrente é aquele que permite às pessoas normais falar sobre as doenças, entre elas e no diálogo com os especialistas (leia-se, médicos) e com as autoridades de saúde, numa comunicação que se quer clara, convindo que seja vernáculo, tão transparente quanto possível e que favoreça a compreensão do conceito e do discurso. Em suma, os especialistas e as autoridades de saúde têm que dominar ambas as denominações, a científica e a corrente; ao comum dos mortais basta conhecer o nome corrente da doença. Às vezes, o nome científico ou a sua forma contraída entram diretamente na ribalta – e.g. sida (síndrome de imunodeficiência adquirida) e covid-19 (coronavirus disease / doença por coronavírus 2019) – e então o nome científico e o corrente são coincidentes.
Os últimos anos têm sido pródigos no (re)aparecimento de doenças novas e de outras que julgávamos extintas ou confinadas a outros espaços – e.g. a sida, a covid-19, a tuberculose, o sarampo –, gerando palavras novas ou o reaparecimento de outras. Nas últimas semanas, tem-se falado de varíola dos macacos (ou varíola símia), devido ao surgimento de casos da doença em seres humanos. Varíola dos macacos é o nome corrente da doença em português, vernáculo, transparente e claro, formado por varíola (por ser relacionada com esta) e dos macacos, hospedeiros habituais. A doença é provocada por um vírus do género ortopoxvírus, o Monkeypox virus (note-se a substituição do latim científico pelo inglês corrente, com itálico e maiúscula inicial). A denominação corrente da doença em inglês, monkeypox, é construída com monkey (macaco) e pox, variante de pocks, que significa literalmente «pústula» e faz parte do nome corrente de várias doenças (cowpox, chickenpox, smallpox e French pox) ou constitui a sua forma abreviada.
Sugerir que o vernáculo «varíola dos macacos» deva, na comunicação pública, ser substituído por monkeypox é não só uma aberração, pois contraria os princípios básicos da comunicação, como constitui a manifestação suprema da lusitana subserviência à língua inglesa e da sua inefável parolice. Citando Carmo Afonso [no jornal Público], a propósito da condecoração do enfermeiro Luís (13-06-2022), «não basta sermos pobres, também tínhamos de ser parvos».