«(...) [A]o contrário do que ocorre no eufemismo, [com a hipossemia] não existe o propósito de suavizar um conteúdo desagradável. (...)»
Sempre que pergunto em classe qual o oposto da hipérbole, a turma responde que é o eufemismo. Não me deparei com esse equívoco apenas em sala de aula – também o constatei em portais de língua portuguesa.
A verdade é que o contrário da hipérbole não é o eufemismo. Essas figuras não podem se contrapor, uma vez que se situam em áreas diferentes. A hipérbole diz respeito ao pathos (paixão), enquanto que o eufemismo está ligado ao ethos (caráter).
Quem produz uma hipérbole o faz abalado por forte impressão emocional. Exagera para comover ou suscitar empatia: «estou morto de fome», «ele tem uma vontade de ferro» (hipérbole metafórica), «daria a minha vida por você».
Um conhecido exemplo de hipérbole aparece neste quarteto de Augusto dos Anjos:
«No tempo de meu pai, sob estes galhos,
Como uma vela fúnebre de cera,
Chorei bilhões de vez com a canseira
De inexorabilíssimos trabalhos.»
Os versos constam do soneto “Debaixo do tamarindo”, em que o poeta confessa o seu amor pela árvore que ensombrava a casa-grande do engenho onde nasceu. Revelam o desespero diante da morte e a esperança de continuidade pela fusão com o organismo vegetal (lê-se no final do poema: «Abraçada com a própria Eternidade/ A minha sombra há de ficar aqui!»).
A referência ao pranto «bilhões de vezes» chorado e aos «inexorabilíssimos» trabalhos busca traduzir a intensidade de uma Dor que transcende a esfera pessoal. Não é apenas o sofrimento de um indivíduo, mas de toda a espécie humana, com a qual o eu poético se identifica.
No eufemismo, atenuamos um conteúdo desagradável com a intenção de não ferir nem chocar. O que anima esse propósito é a ética, o recato, por vezes a conveniência social. Podemos dizer de alguém muito feio, por exemplo, que «seus traços não são harmoniosos». Ou, de uma pessoa estúpida, que ela «não tem um cérebro brilhante». O eufemismo preserva o conteúdo e suaviza a forma.
O seu oposto é o disfemismo, que consiste no uso de expressões deselegantes, grosseiras ou chulas. Na versão disfêmica, o muito feio passa a «horrendo», «um parto», «um frankenstein». O pouco inteligente é chamado de anta, burro, quadrúpede. O disfemismo é uma intensificação pejorativa e visa agredir ou chocar.
Numa de suas crônicas, Adriano Silva critica os que nada fazem sem escutar a opinião alheia e são capazes de perder o dia caso não recebam um sorriso de aprovação. Ele diz invejar os indivíduos autossuficientes, que «resolvem suas inseguranças (...) sem expor o traseiro nu na janela». Essa referência ao «traseiro nu» é uma imagem disfêmica; por meio dela o autor critica os que costumam expor aos outros a sua intimidade.
Qual é então oposto da hipérbole? É a hipossemia, que se caracteriza pela diminuição do conteúdo significativo das palavras. Ela ocorre, por exemplo, quando alguém afirma ter sentido «uma dorzinha» que o levou a passar três dias no hospital; quando a mãe ameaça dar «umas palmadas« no filho (em vez de uma surra); ou quando o ricaço diz que deu «um pulo» na Europa para saber as novidades.
Vejam que nesses casos, ao contrário do que ocorre no eufemismo, não existe o propósito de suavizar um conteúdo desagradável. O emissor minimiza o sentido para reduzir a dimensão do que faz, e não para evitar agredir quem quer que seja. O que determina as escolhas é menos o decoro do que o afeto, a emoção.
Apontamento publicado no mural Língua e Tradução, Facebook, em 24 de setembro de 2021.