« (...) [S]e o país [Portugal] tardou tanto a assinar o tratado, terá sido mais por desconhecimento e descaso do que por uma motivação política oculta. (...)»
O Conselho da Europa, fundado em 1949, é a principal organização de defesa dos direitos humanos do continente e tem o inglês e o francês como línguas de trabalho. Conta com 47 países membros; Portugal aderiu em 1976. No Conselho da Europa encontram-se a Convenção Europeia dos Diretos Humanos e o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, provavelmente a mais conhecida das suas instituições. Entre as áreas em que exerce atividade, a promoção do multilinguismo e dos direitos linguísticos ocupa lugar privilegiado, até porque um dos objetivos do Conselho da Europa é conseguir uma união mais forte entre os seus membros, visando o reconhecimento e a salvaguarda dos ideais e princípios que fazem parte da sua herança comum.
Entre as convenções assinadas por todos ou parte dos seus membros, está a Carta Europeia para as Línguas Regionais e Minoritárias (CELRM), de 1992, que Portugal assinou no passado dia 7 de setembro, facto que teve merecido destaque nos media. De acordo com a CELRM, línguas regionais e minoritárias são as usadas numa determinada região do território por nacionais do Estado, que constituem um grupo numericamente menor do que o resto da população; elas são diferentes da(s) língua(s) oficial(is) do Estado, não incluem os seus dialetos nem as línguas de imigração. O mirandês assenta na perfeição nesta definição e, por isso, não só foram as gentes da Terra de Miranda a pugnar para que Portugal aderisse à convenção, como a assinatura teve lugar em Miranda do Douro, localidade representativa da língua e da cultura mirandesas.
Ao assinar a CELRM, cada Estado compromete-se a garantir um conjunto de medidas a todas as suas línguas regionais e minoritárias, medidas escolhidas de entre uma lista que se distribui pelas áreas de educação, autoridades judiciais, autoridades administrativas e serviços públicos, media, atividades e equipamentos culturais, vida económica e social, trocas transfronteiriças. Em 2019, a Câmara Municipal de Miranda do Douro havia assinado um protocolo com a Associaçon de la Lhéngua i Cultura Mirandesa para promover a aplicação dos princípios da CELRM, corporizados nos Carreirones pa la nuossa lhéngua, aqui referidos a 28/06. A assinatura da CELRM por Portugal garante o compromisso do Estado em reconhecer e respeitar os direitos dos falantes de mirandês, que, embora reconhecido oficialmente em 1999 (Lei 7/99, DR n.º 24/1999, Série I-A), poucas medidas institucionais conheceu desde então. Entre as previstas está a certificação e o enquadramento profissional dos professores de língua e cultura mirandesa que atuam nas escolas públicas da região.
Apenas 34 países membros do Conselho da Europa assinaram a Carta e só 25 a ratificaram. Alguns países, apesar de contarem com línguas regionais e minoritárias, não assinam a Carta, certamente por desinteresse em reconhecer minorias tradicionais e seus direitos. Em Portugal, a questão não se coloca e, se o país tardou tanto a assinar o tratado, terá sido mais por desconhecimento e descaso do que por uma motivação política oculta.
Historicamente, Portugal não se caracteriza por possuir políticas linguísticas explícitas, o que levou à crença na ausência de pensamento linguístico oficial e ao fomento (furtivo?) de visões messiânicas e medidas isolacionistas por algumas instituições. Nos últimos anos, temos conhecido a assunção explícita e clara de políticas linguísticas que visam o reconhecimento e a valorização das línguas faladas em Portugal, o que se regista e aprecia.
Cf. A língua mirandesa é língua oficial em Portugal desde 1999 + Parlamento aprovou mirandês como segunda língua oficial de Portugal há 25 anos
Artigo da linguista e professora universitária prtuguesa Margarita Correia, transcrito, com a devida vénia, do Diário de Notícias de 11 de outubro de 2021.