« (...) Os Carreirones pa la nuossa lhéngua [...] constituem um projeto global e exemplar de planificação linguística, raro na sociedade portuguesa, visando a preservação e desenvolvimento de uma língua ameaçada [...]»
Prometido é devido e eu, mulher de palavra(s), aqui trago o Roteiro para a língua mirandesa, publicado pela Associaçon de Lhéngua i Cultura Mirandesa (ALCM), no Dia de la Lhéngua, disponível [aqui], com versões em mirandês, português e inglês; reportar-me-ei à versão portuguesa.
Além de uma síntese da situação atual e visão estratégica (ponto 1 do documento), e de uma caracterização da ALCM (4.), o Roteiro apresenta dois tópicos centrais: o Roteiro propriamente dito (2.), que «delineia um roteiro para a proteção e o desenvolvimento do mirandês a longo prazo», e um Plano de Desenvolvimento (3.), que «identifica e descreve os projetos mais urgentes e exequíveis».
O Roteiro define quatro linhas estratégicas, a saber: documentar e estudar o mirandês (2.1.); aumentar o número de falantes ativos (2.2.); aumentar a visibilidade da língua e da cultura mirandesas (2.3.); e criar emprego no contexto das língua e cultura (2.4.). Documentar o mirandês (registar, de modo extenso e sistemático, exemplos do seu uso nos mais variados contextos culturais e sociais, visando a criação de acervos digitais sustentáveis) reveste-se de extraordinária importância e urgência, dada a idade avançada da população que usa a língua no quotidiano, em contextos diversificados. Aumentar o número de falantes ativos, especialmente jovens, é crucial para a sobrevivência de qualquer língua.
Para evitar que a língua mirandesa passe despercebida ao visitante inadvertido da Terra de Miranda, urge aumentar a sua visibilidade, e.g., tornando-a presente na paisagem linguística local. A criação de emprego no contexto da língua e da cultura potenciará o aumento do número de falantes ativos, a fixação dos mais jovens no território e, evidentemente, o crescimento económico da região.
São também quatro os projetos identificados pela ACLM, passíveis de ser executados em três a cinco anos, encontrados os fundos e os parceiros certos para a sua execução: um Centro de Documentação (3.1.), i.e., um arquivo moderno da língua mirandesa e da cultura da Terra de Miranda, que permita documentar, publicar e propiciar acesso ao conhecimento; a Casa de la Lhéngua Digital (3.2.), plataforma virtual que centralizará informação e recursos sobre a língua e a cultura da região; Casa de la Lhéngua - Centro de Interpretação da Língua Mirandesa (3.3.), projeto a ser desenvolvido em parceria com o Museu da Terra de Miranda; um programa de publicações (3.4.) com garantia de venda prévia de exemplares, de modo a viabilizar a edição de obras essenciais, organizadas em quatro coleções – Lhéngua (trabalhos em ou sobre a língua mirandesa), Tierra (traduções ou edições bilingues de obras relevantes, não apenas da literatura local), Medrar (livros dirigidos ao público infanto-juvenil), e uma coleção ainda sem nome que incluirá livros e autores inéditos premiados em concursos literários previstos.
Os Carreirones pa la nuossa lhéngua, que aqui tentei sintetizar, constituem um projeto global e exemplar de planificação linguística, raro na sociedade portuguesa, visando a preservação e desenvolvimento de uma língua ameaçada. Acompanha o que de mais recente e cientificamente fundamentado se faz a nível internacional. Estão, portanto, de parabéns os Mirandeses e a sua Associaçon, a quem não escasseiam o saber e a vontade. Assim consigam encontrar parceiros empenhados e responsáveis, que vão além das promessas, e os ajudem a pôr em prática este Roteiro.
A bem de todos!
Cf. Mirandês: uma língua não morre enquanto andar no sentir e no falar
Artigo da linguista e professora universitária Margarita Correia, ytanscrito, com a devida vénias, do Diário de Notícias de 28 de junho de 2021.