Academia do mirandês já! - Diversidades - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
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Academia do mirandês já!

Suponho que a questão está parlamentar e nacionalmente esquecida. Co-oficializado que foi o mirandês, parece que ninguém mais quer saber desse singular idioma lá das bandas de Miranda. Pois é, e não poucos se surpreendem quando encontram nos escaparates de algumas livrarias uma colecção de livros em mirandês, chancela Campo das Letras, onde avultam dois nomes: Fracisco Niebro (é assim mesmo e lê-se fra-cis-co-ni-bro) e António Bárbolo Alves. Daquele são Cebadeiros (poemas) e Las Cuntas do Tiu Jouquin (contos) e deste Cuntas de la Tierra de las Faias (contos). Já deu para perceber que "cuntas" são "contos". Pois a breve literatura de uma antiga língua tem a curiosidade de ter como seu primeiro escritor um autor alófono, o erudito Leite de Vasconcelos. Em 1884, ele tinha 26 anos e estudava na Escola Médica do Porto, publicara alguns opúsculos de carácter filológico e acrescenta à sua bibliografia um pequeno livro de poemas em mirandês, Flores Mirandesas. Na entrada, diz que teve dificuldades na escrita dos versos, desculpando-se por falta de exemplos alheios, que a única coisa em mirandês que havia era da sua própria autoria! E aqueles dois novos autores mirandeses têm entre a sua obra e a do pioneiro, em matéria de criação literária, apenas dois autores em livro que cabem nos lindeiros da Literatura: António Maria Mourinho e Manuel Preto, quedando à bica, outro mais recente, mas sem livro, mas poeta, Domingos Raposo, que tem textos dispersos em várias publicações literárias. A que se deve esta situação incipiente? Pois à situação de despertar de uma literatura sem uma gramática nem um dicionário para servirem de esteios à Convenção Ortográfica da Língua Mirandesa. Ao analfabetismo em mirandês, à perplexidade dos que ainda não conhecem a língua por manifesta falta dos referidos instrumentos. Amadeu Ferreira, autor de um ensaio sobre o estatuto jurídico da Língua Mirandesa, chama a atenção para a falta de instituições em defesa da Língua Mirandesa, e da sua integração em instituições de apoio internacionais. Com isto pretende-se dizer que importa a criação urgente de uma Academia da Língua Mirandesa - com a designação em mirandês, onde se congregassem os linguistas e criadores literários vinculados ao mirandês, e a sede desta deve ser, obrigatoriamente, em Miranda do Douro. E Amadeu Ferreira anota ainda a "ausência de programas políticos para a língua, o que traduz uma falta de compreensão da importância da língua e o seu consequente desprezo na práxis política". Em boa verdade, a Assembleia da República aprovou o mirandês e deixou de pensar nele. Nem os deputados pelo círculo brigantino parecem interessados. Mas isso já acontecia no tempo de Trindade Coelho. Se são os de Miranda que têm de tomar o próprio destino nas próprias mãos, não se podem baldar pelos Passos Perdidos! E são os mirandeses que os têm de pôr a trabalhar como devem. Já bastou terem esperado pelo jovem filólogo da Ucanha para a criação de uma Literatura Mirandesa, chegou a hora de mostrarem o que valem. O Fracisco Niebro e o Bárbolo Alves, assim como o Domingos Raposo, estão a mostrar o que se pode fazer com este idioma. O dr. Moisés Pires está a dar as últimas demãos a um dicionário e a uma gramática de mirandês. No próximo número da revista Mealibra, de Viana, sai um conto de Niebro em mirandês e um glossário para melhor entendimento, e o mesmo escritor tem um conto nas sua língua de leite no número de Maio das Selecções BD, o que é muito importante. Falta o salto, e este passa pela Academia da Língua Mirandesa!

Fonte

Publicado no jornal português "Diário de Notícias" em 16 de Julho de 2001

Sobre o autor

Viale Moutinho (Funchal, 1945) é um jornalista e escritor português. Durante a sua carreira profissional, assumiu cargos como o de diretor da Associação Portuguesa de Escritores e de secretário e presidente da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto. Tem várias obras editadas, nomeadamente: Urgência, livro de poesia de 1966, O jogo do sério, de 1974, Crónica do Cerco, de 1978, O Adivinhão e Adivinhas Populares Portuguesas, de 1979, entre outras.