«Eu continuo firmemente pensando em modificar o mundo e acho que a literatura tem uma grande importância.»
Em Portugal, as aulas começaram e, desta vez, os professores têm a hercúlea missão de recuperar tudo o que nunca fora recuperado, pois a pandemia veio agravar as fragilidades que sempre existiram no ensino.
Serão, assim, os professores capazes de fazer milagres, de tornar os alunos sábios e, no que diz respeito à língua portuguesa, de os tornarem competentes, despertando-lhes o gosto pela leitura?
Parece fácil com tanta gente a opinar, com tantas soluções em cima da mesa, com tantas receitas de mais aulas, mais projetos, mais suplementos e complementos, etc. e tal.
Ora, na minha humilde perspetiva, basta que o professor goste, ame, seja completamente apaixonado. Quando digo completamente apaixonado, digo-o seriamente: completamente apaixonado, quase “cego” por aquilo que ensina aos alunos. E que eles o sintam!
Ora, isso vale, e muito, para a leitura.
Atentemos, então, ao que se passa em Portugal.
Por exemplo, no 10.º ano, os alunos aprendem as cantigas de amigo, as de amor e as de escárnio e maldizer. Regra geral, não gostam. E porquê?
Porque não conseguem compreender o sentido mais profundo de que se revestem. Um professor que seja capaz de explicar a importância da delicadeza, do amor, da saudade, da amizade, sentimentos predominantes nas cantigas de amigo, um professor que seja capaz de captar a atenção dos alunos provando a atualidade desses sentimentos, um professor que enalteça esses textos através de uma leitura expressiva e emotiva conseguirá, indubitavelmente, atingir os objetivos sem receitas demagogas ou malabarismos intelectuais.
O caminho mais simples e direto para se gostar de alguma coisa, nomeadamente de ler, é torná-lo emocional, atual, discutível.
O mesmo se passa relativamente a outros textos que fazem parte das Aprendizagens Essenciais do Ensino Secundário. Não. Não estão desatualizados. Os textos são excelentes.
Vejamos a importância e a atualidade, por exemplo da Crónica de D. João I: hoje em dia, a liderança é um tema primordial. Aproveitar a obra e trabalhá-la nessa vertente é uma mais-valia. A afirmação da consciência coletiva é, igualmente, um tema que poderá conduzir os alunos para a adesão à leitura da obra. Na verdade, os alunos gostam que os professores os ouçam. Vivemos tempos em que eles devem aprender a saber tomar posições importantes em prol do bem comum. Assim, a literatura pode ser um veículo para o desenvolvimento do espírito crítico.
No 12.º, a poesia de Fernando Pessoa pode criar verdadeiros laços entre alunos e professor, se este conseguir estabelecer a ponte entre o que ensina e a alma humana. E há tanto o que explorar: o conflito entre o sentir e o pensar, quem não os tem? A nostalgia da infância? Sim ou não. Depende da infância que se teve. Entre outros temas, que poderão aproximar alunos e fazer com que a literatura faça sentido e a procurem para crescerem, para saberem, para se tornarem adultos com maior consciência do que os rodeia.
Se nos voltarmos para o Brasil, os problemas são, na essência, os mesmos. Ensinar a literatura deverá sensibilizar o aluno para o caráter atemporal, bem como para a função simbólica e social da obra literária.
Assim, o grande desafio é conseguir fazer com que os alunos sejam capazes de ler, com alma, Jorge Amado, de modo a conseguirem compreender-se melhor, a compreender, mais profundamente, a comunidade em que se inserem e o mundo com mais altruísmo. O grande desafio é o de refletirem juntamente com Carlos Drummond de Andrade sobre o conflito social, a família e os amigos, a existência humana, a visão sarcástica do mundo e das pessoas. E Machado de Assis? Esse grande e fantástico escritor poderá ajudar os alunos a compreender como se busca na mente humana questões que incomodam e que precisam de ser pensadas. Se os alunos se deixarem “cativar”, poderão mergulhar, juntamente com o professor, nessas problemáticas, procurando respostas, refletindo, crescendo, enquanto pessoas, enquanto elementos pró-ativos da nossa sociedade global.
Efetivamente, o professor de Língua Portuguesa, seja ele o de Portugal, o do Brasil, o de Angola, ou de outros países tem uma missão grandiosa: levar até aos seus alunos um pouco do "outro" através do exercício da leitura literária, para que o aluno interiorize verdades. Poderá ser através da poesia, do romance, da peça de teatro., mas que, acima de tudo, seja capaz de cumprir um papel de formação social e humana e que contribua para a educação estética e a sensibilidade perante o mundo.
Deste modo, direi: os alunos só precisam de ser “literalizados”, isto é, de saberem ler literatura, de a compreenderem, de a valorizarem, de a sentirem.
Por último e não menos importante, os professores. Estes, sim, precisam de ser motivados, valorizados, credibilizados, respeitados. Porque cai sempre tudo em cima deles. Acima de tudo, deixem-nos ensinar e que o trabalho burocrático fique para quem de direito. Pelo menos isso.