Atualmente, em Portugal, o ensino engloba aspetos que priorizam o respeito pela sociedade democrática, pela dignidade humana, o exercício da cidadania, a responsabilidade e a consciência de si próprio e do mundo. Trata-se do perfil do aluno à saída da escolaridade obrigatória.
No entanto, já no século XVII, alguns autores reconheciam a importância que a literatura tem ao conciliar o deleite e a utilidade moral, contribuindo para melhorar os costumes e para tornar o homem mais digno. Trata-se, assim, de uma lição que preconiza a união da vertente lúdica à pedagógica.
Efetivamente, os grandes autores do classicismo defendiam essa conceção de uma literatura profundamente moral. A título de exemplo, Molière, no prefácio de Le Tartuffe, expõe a sua noção de comédia como instrumento de crítica moralizadora dos costumes e das ações dos homens: nada os repreende melhor do que a pintura dos seus defeitos. É um belo golpe para os vícios expô-los ao riso de toda a gente. Suportam-se facilmente as repreensões; mas não se suporta de modo nenhum a troça. O dever da comédia, escreve ainda Molière a respeito de Le Tartuffe, é corrigir os homens, divertindo-os.
Do mesmo modo, e nas aprendizagens essenciais do Ensino Básico e do Ensino Secundário, surge Gil Vicente.
O teatro de Gil Vicente é eminentemente satírico, lúdico e pedagógico
Na realidade, um dos principais objetivos do dramaturgo, ao escrever as suas obras e encenar as suas peças, era chamar a atenção para as mudanças que afetavam a sociedade da época e que, na sua perspetiva, a corrompiam, traduzindo-se em comportamentos viciosos, como, por exemplo, o desejo de promoção social das camadas mais baixas, o parasitismo da nobreza, o adultério, a devassidão e a imoralidade do clero.
Assim, o dramaturgo denuncia comportamentos, essencialmente, através das personagens-tipo e do cómico, que retrata o quadro da sociedade da sua época, permitindo expor e satirizar atitudes e valores, muitas vezes através do riso.
Em Portugal, no 9.º ano, os alunos deparam-se com o Auto da Barca do Inferno. No 10.º, com a Farsa de Inês Pereira. As personagens contribuem para o cómico (linguagem, caráter e situação), proporcionando a diversão, associada à crítica, dando lugar à máxima vicentina «ridendo castigat mores», isto é, a rir corrigem-se os costumes.
Se tomarmos como exemplo a Crónica de D. João I de Fernão Lopes, deparamo-nos com o retrato vivo da importância do povo e da sua liderança para o futuro de uma nação.
Face aos acontecimentos pandémicos mundiais de que todos padecemos, poderá o estudo dessa referida crónica servir de exemplo para a importância da união e da consciência coletiva?
Quando lemos o capítulo 115, sobre o Cerco de Lisboa, ressalta a capacidade do povo em prol do bem comum, assim como a importância da liderança. De facto, através da leitura atenta da obra, é possível compreender o que é um bom líder: «o Meestre que sobre todos tiinha especial cuidado da guarda e governança da cidade, dando seu corpo a mui breve sono, requeria per muitas vezes de noite os muros e torres com tochas acesas ante si, bem acompanhado de muitos que sempre consigo levava.»
De facto, foi ele que coordenou toda a defesa da cidade, tomando todas as decisões e passando por todo o tipo de sacrifícios em prol do bem comum.
Estes exemplos ilustrados poderão, de algum modo, conduzir os alunos a uma reflexão sobre a vida e o mundo que os rodeia. E estabelecendo uma analogia com a atualidade, não há quem não siga um bom líder, desde que ele o seja efetivamente. Alguém que dê o exemplo, que seja assertivo, confiável, correto, justo, respeitável, dedicado, empenhado.
Em Portugal, atualmente, há alguém com esse perfil, o homem do momento, o que tudo tem dado em prol de uma missão: a de vacinar um país contra a Covid-19. Esse homem, que coordenou a task force da vacinação, é o Vice-almirante Henrique Gouveia e Melo. Graças a ele Portugal está a 2 pontos percentuais da libertação, com quase 85% da população vacinada.
Se a literatura fosse sentida, compreendida, assimilada, haveria maior responsabilidade e consciência coletiva? Seria o mundo mais unido, mais solidário?
Precisamos tanto de ler para ser. Para ser pessoas com gente dentro. Gente com responsabilidade social e humana. Gente sensível e instruída. Gente que consiga rir-se dos seus erros e que tudo faça para os corrigir. Gente com mérito, com valor, com capacidade para melhorar e se aperfeiçoar todos os dias.
Esse papel doutrinário da literatura já fora abordado no livro a Teoria da Literatura de Vitor Manuel de Aguiar e Silva, onde se esclarece o papel fundamental da literatura ao longo dos tempos para a formação do indivíduo. Segundo o autor, devemos associar a expressão literária aos problemas morais e psicológicos do homem, na medida em que assumem uma função pedagógica no mais alto sentido da palavra.
Assim, o fez, por exemplo, La Fontaine, nas suas fábulas, não pretendendo apenas narrar simplesmente uma história a fim de divertir os seus leitores. O seu intento, talvez o maior, fosse o de revelar, de modo simbólico, uma lição profundamente moral.
A literatura e o seu ensino, pelo mundo, deve, acima de tudo, ser profundamente moral, porque o homem, com as suas paixões e os seus sentimentos, os seus desequilíbrios, os seus enganos precisa, necessita da lucidez retratada nos livros, bem escrita para que seja bem assimilada. Independentemente do género literário, porque todos eles podem ter, efetivamente, uma vertente lúdica e pedagógica, há que saber “ler” de modo a contribuir para a formação do que se considera o perfil do aluno no final da escolaridade obrigatória.