« (...) A Literatura foi posta a um canto e muitos textos e obras fundamentais para os estudantes se sentirem vivos na escola e vivos na vida foram tidos por difíceis, por inacessíveis ou “fora de moda”. (...)»
Vem aí [em Portugal] a época dos exames nacionais. Verdadeiro enxame. Tempo de algum nervosismo, de alguma ansiedade. Justificam-se esse nervosismo e ansiedade nos alunos e nos professores? Os próprios encarregados de educação, por que razão ficam, nestas três semanas ansiosos e nervosos? Há, talvez, uma explicação para tais estados de espírito: no fundo, no fundo, porque todos sabemos que estes exames podem revelar a ignorância mais soez de quem andou 12 anos na escola a aprender nada. O primeiro exame é a 14 de Junho. De Português. Refiro-me a esse.
Como toda a gente sabe, a palavra «dificuldade» foi substituída, neste tempo de acefalia geral, pela palavra «desafio». Uma vez que os pré-universitários não podem ser confrontados com dificuldades, o Exame Nacional de Português será, pela enésima vez, um convite a que os examinandos ultrapassem certos «desafios». Assim se retira a carga dramática a esse exame. Diga-se, já agora, que para o ano, em 2024/2025, o Exame Nacional de Português será (e bem) obrigatório para todos os alunos de todas as áreas científicas. Não será como este ano, em que só alguns o irão fazer (péssima ideia). Essa mudança é essencial porque - sim, continua a ser verdade – saber escrever português e saber interpretar texto literário são competências sem as quais qualquer aluno, em bom rigor, não deveria seguir estudos universitários. Porém, como é quase provável, dado que o Exame Nacional de Português será obrigatório para o ano, o IAVE e os pedagogos do ressentimento patológico contra a Literatura irão, com a anuência do Ministro da Educação e da sua equipa, “desafiar” os alunos do ano 24-25 a que façam um exame com “desafios” de escrita e de leitura muito modernos, muito científicos. Nada de grandes redacções, nada de perguntas que exijam pensar: o Exame Nacional – e o deste ano irá prová-lo à saciedade – deve ter em conta o sucesso que se pretende atingir.
Artigo de opinião do poeta, crítico literário e professor português António Carlos Cortez, transcrito, com a devida vénia, do Diário de Notícias de 27 de maio de 2024. Texto escrito segundo a norma ortográfica de 1945.