«As independências ibero-americanos ocorreram no século XIX (...). As primeiras universidades de língua espanhola na América são bem anteriores a estes processos.»
Olhando de fora a língua espanhola, impressiona a sua uni(ci)dade, sobretudo se comparada com a grande diversidade do português. Para começo de conversa, importa lembrar que a realidade se dá sempre a ver de acordo com o ponto de vista do observador. A língua espanhola, ao longo do seu enorme espaço, não é tão una e maravilhosa para quem a observa de dentro – há grande variação (fonológica, lexical, morfossintática, semântica), sobejamente descrita; os falantes de espanhol conseguem identificar com facilidade a proveniência dos seus interlocutores; e não é linear que as elites de todos os países de língua espanhola se reconheçam placidamente nas normas subscritas em 2015 pela Asociación de Academias de la Lengua Española. É normal a galinha da vizinha parecer melhor do que a minha: o desconhecimento presta-se a preconceitos e generalizações. A verdade, porém, é que, observado de fora, o espaço da língua espanhola apresenta considerável unidade e serenidade linguísticas.
As independências ibero-americanos ocorreram no século XIX – América do Sul e México entre 1810 e 1828 (o Uruguai fez parte do Brasil até então); América Central, grosso modo, entre 1838 e 1865; Cuba e Panamá, respetivamente em 1898 e 1903. As primeiras universidades de língua espanhola na América são bem anteriores a estes processos – a Universidade de São Domingos, em 1538, seguida das de San Marcos (Peru, 1551), México (1553), Bogotá (1662), Cuzco (1692), Havana (1728) e Santiago (1738). Já o Brasil, independente desde 1822, embora contasse com escolas superiores isoladas – e.g. a Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho (Rio de Janeiro, 1792) ou a Faculdade de Medicina de Salvador (1810) –, só no século XX conheceu universidades dignas desse nome – e.g. Universidade do Rio de Janeiro (1920) e Universidade de São Paulo (1935).
No continente africano, encontramos as duas universidades mais antigas do mundo: Universidade Al Quaraouiyine (Fez, Marrocos, 859) e Universidade de Alazar (Cairo, Egito, 988). O panorama é, todavia, bem diferente no resto do continente, onde a maioria das universidades data do século XX. Nos países de língua portuguesa, surgem os Estudos Gerais Universitários de Angola e de Moçambique, em 1962; surgem depois das independências o Instituto Politécnico de São Tomé e Príncipe (1996); a Universidade Jean Piaget (2001) e a Uni-CV (2006), em Cabo Verde; a Universidade Colinas do Boé e a Universidade Amílcar Cabral, na Guiné-Bissau (2003). O único país de colonização espanhola em África, a Guiné Equatorial, teve a sua universidade em 1995, 27 anos depois da independência.
Ao longo deste percurso, descobri um sem-fim de informação relevante, digna de ser estudada, sistematizada, ponderada, certamente imprescindível para a compreensão do desenvolvimento dos impérios europeus a partir do século XVI e dos países que deles resultaram.
A uni(ci)dade da língua espanhola não é tão real quanto parece, mas, ainda assim, é maior do que a da língua portuguesa. Porquê? Os tempos atuais convidam-nos a revisitar a história colonial, com a objetividade e a racionalidade possíveis. A história da educação e das universidades, assim como a formação de elites e sentimentos de pátria nos impérios coloniais, ajudará a compreender as diferentes situações do espanhol e do português atuais. A esses destinos não serão, também, alheios os diferentes posicionamentos das elites relativamente a estas línguas e respetivas normas.
Crónica publicada no Diário de Notícias em 26 de abril de 2021.