«(...) O português que eu vi saltar das telas dos computadores transbordou em riqueza linguística, cultural e afetiva. (...)»
A pandemia da covid-19, em 2020, trouxe para todo o mundo muitos desafios, angústias e incertezas em relação ao futuro, obrigando governos e sociedade civil a propor novas diretrizes para o funcionamento da vida social. E sem dúvida uma das classes que mais foram afetada nesse período foi a do(a)s professore(a)s. Da noite para o dia, tivemos que replanejar os nossos cursos, conteúdos e procedimentos didáticos, para adequá-los às diversas modalidades de ensino on-line, em todos os níveis de atuação educacional, da escola básica ao ensino superior.
Especificamente, falo do(a)s professore(a)s de português como língua estrangeira e segunda língua, justamente porque a diversidade de situações em que esses profissionais atuam é ainda mais desafiadora para a implementação das mudanças. Ao longo de todos esses meses da pandemia, por exemplo, tenho assistido a palestras, webinários, lives e a todo o tipo de intervenção on-line, que mostram as experiências de professore(a)s em diferentes partes do mundo, ensinando português como língua estrangeira, segunda língua, língua de herança ou língua de acolhimento, entre outros contextos. Os depoimentos mostram que apesar de os recursos tecnológicos serem uma poderosa ferramenta de apoio ao ensino, eles não são acessíveis a todos da mesma forma, assim como nem todas as pessoas lidam com a tecnologia de modo natural e fácil. De fato, tivemos que reinventar as nossas práticas e desenvolver novas maneiras de ensinar e de aprender português.
Mas o que mais me chamou a atenção em tantas experiências compartilhadas foi a grande preocupação do(a)s professore(a)s em criar estratégias para assegurar uma rica interação em suas salas de aula virtuais, como meio de minimizar o distanciamento social e a ausência do corpo a corpo característico de nossa prática cotidiana. E como fazer isso? Muito(a)s se interpelam! As respostas que nasceram das histórias contadas estavam sempre relacionadas a uma visão de língua como espaço de afetividade, de integração e de calor humano. Língua que cria o sentimento de pertença a um grupo, a uma comunidade, a um coletivo que trabalha em regime de partilha para vencer as dificuldades.
Eu não sei dizer em outras línguas, mas o português que eu vi saltar das telas dos computadores transbordou em riqueza linguística, cultural e afetiva. Da Europa, Ásia, África e Américas, professore(a)s mostraram que, para além do uso das tecnologias digitais, compreender a nossa língua comum de modo aberto, afetivo, criativo e sem preconceitos tem sido a nossa melhor estratégia para construir um espaço de interação e de diálogo intercultural.
Registo áudio deste apontamento aqui:
[AUDIO: Edleise Mendes – O ensino de Portugues]
Crónica da linguista brasileira Edleise Mendes, docente Universidade da Bahia, elaborada e lida para a emissão do programa Páginas de Português de 6 de dezembro de 2020, na Antena 2.