O tema da crase nas locuções adjectivas levanta algumas dúvidas pertinentes. Como o consulente menciona, é difícil para um falante de português brasileiro distinguir foneticamente um à de um a. No português do Brasil existe tendência para pronunciar à e a como [a], o que pode causar alguma confusão e dificultar a distinção do uso da contracção da preposição com o artigo definido do uso da simples preposição. A presença ou não do acento gráfico da crase não é, portanto, sentida foneticamente em português brasileiro. No entanto, em português europeu não se confunde, foneticamente, o a [ɐ] (artigo definido singular ou preposição) com o à [contracção da preposição a com o artigo definido a], cuja pronúncia é [a].
O consulente apresenta os exemplos «vi-te a distância» e «eu/tu ensino/ensinas a distância» para apoiar argumentos contra «ensino a distância», expressão que se torna ambígua nas referidas frases e que, por isso, perde eficácia comunicativa. É verdade que o termo «a distância» em «eu/tu ensino/ensinas a distância» pode ser interpretado quer como o objecto de ensino (ou seja, a distância que está sendo ensinada ou estudada) quer como uma locução adverbial que exprime modo («ensino a distância» por analogia com outras expressões «compra a prestações»). No entanto, o contexto permite desambiguar tais ocorrências: por um lado, um professor de Matemática pode dizer «Eu ensinei a distância entre duas rectas na aula passada», sem ambiguidade, porque «a distância» é uma expressão nominal que selecciona um complemento, «entre duas rectas»; por outro, também não há ambiguidade em «O ensino a distância é utilizado em mais de 80 países», pois, neste caso, temos o substantivo distância inserido numa expressão adverbial equivalente a uma oração relativa adjectiva («que não é feito presencialmente»). Assim, além de semântica e sintacticamente possível, acresce que «a distância» não é termo corrente mas, sim, especializado, pertencente à terminologia do ensino: interpreta-se como transmissão e difusão da informação e do conhecimento ou auto-aprendizagem mediante recursos apresentados em diferentes suportes de informação.
Finalmente, embora seja comum utilizar-se «ensino à distância», certa tradição gramatical tem considerado que a crase só deve ocorrer quando a distância é determinada e especificada, exigindo neste caso a presença da preposição de: a) «Estamos à distância de dois metros da tua casa.»; b) «A casa à venda fica à distância de dez quilómetros da ponte.» (cf. Dicionário Houaiss). No entanto, a crase tem-se generalizado aos casos em que se diz que não existe especificação, «[...] quando a sua falta comprometer de algum modo a clareza da frase: "a sentinela vigia à distância"» (idem; ver também Guia de Uso do Português de Maria Helena Moura Neves).
Cf. Ensino à distância: as 10 recomendações da UNESCO
N.E.– Sobre este tema controverso, vide a opinião da professora Maria Regina Rocha, no texto Três razões para ser «à distância» (e não «a distância»).