A Terminologia Linguística para os Ensinos Básico e Secundário (TLEBS) tem suscitado diversas opiniões pouco fundamentadas.
Importa, antes de mais, esclarecer que a TLEBS vem substituir a Nomenclatura Gramatical Portuguesa (NGP), publicada em 1967, pretendendo ambos estabilizar os termos a utilizar na descrição dos fenómenos da gramática. Era urgente a sua revisão, uma vez que programas de língua portuguesa, manuais, gramáticas e práticas docentes não eram coincidentes na terminologia utilizada. Esta instabilidade terminológica gerou, pelo menos, dois problemas óbvios: é parcialmente responsável por um desinvestimento no ensino da gramática; criou dificuldades na estabilização de conhecimentos. Acresce que a NGP contém termos que a investigação revelou serem incorrectos ou inadequados. Qualquer comentário à TLEBS é, portanto, inútil se não tomar como referência uma comparação com a NGP, o documento normativo em vigor.
É também essencial saber-se que a TLEBS é um instrumento para os docentes, que não revoga os programas vigentes, nem o currículo nacional. Assim, muitos dos termos listados na TLEBS e definidos na base de dados que foi distribuída pretendem ser auxiliares dos docentes, que, na sua planificação, gerirão o que utilizar em função dos programas e currículo nacional. Infelizmente, a TLEBS foi “despejada” sem critério nalguns dos novos manuais, mas estes não são os documentos de referência para o professor. Estar consciente disto é fundamental para não se criarem alarmismos sobre o que vai ser ensinado. Recentemente, um “pedagogo” criticava a TLEBS por se passar a exigir que uma criança de seis anos dominasse termos como “conector”, “valor anafórico”, etc. Este tipo de comentário ou pretende criar pânicos (devido a qualquer motivação não confessada), ou revela desconhecimento sobre o facto de serem os programas e o currículo nacional que estabelecem os conteúdos a ser leccionados em cada ciclo.
Tem sido sugerido que subjaz à TLEBS uma transposição directa de uma teoria específica dos fenómenos da linguagem e que é ignorada a relação que existe entre a linguística e outras áreas do saber. Que a Linguística se constituiu área de saber autónoma, comunicando, naturalmente, com outros domínios científicos, é inegável. Quanto maior tem sido a sua autonomia, maiores têm sido os ganhos descritivos e explicativos e mais sólidas as relações entre, por exemplo, a Linguística e a Literatura, como mostra Fernanda Irene Fonseca nos seus trabalhos. Exactamente para dar conta dessa relação, era importante actualizar a NGP, de forma a incluir as áreas da Semântica (que não se confunde com Semiótica) e Linguística Textual.
Qualquer leitor informado sobre teoria linguística não reconhece na TLEBS a assunção de um modelo teórico específico. Aliás, encontramos, entre os seus autores, linguistas cujos trabalhos se orientam por correntes teóricas bastante diferenciadas. É, portanto, infundamentada qualquer tentativa de ver na TLEBS uma lista de termos proveniente de um quadro teórico específico.
As reacções à TLEBS têm tido um mérito importante, revelando como a gramática tem sido subalternizada no ensino. Em muitos casos, não é ensinada; noutros casos, é tratada sem investimento e sem serem estabelecidas as necessárias relações com o desenvolvimento de competências de leitura, da escrita e da oralidade. São exemplo deste desinvestimento a ideia patente em vários textos na imprensa, segundo os quais devemos imaginar as crianças a “decorar” termos, sem os instrumentalizar, ou as dúvidas recorrentes sobre conceitos da NGP mascaradas de críticas à TLEBS.
É possível construir argumentos idênticos aos que têm sido levantados contra a TLEBS para qualquer área do saber, ridicularizando, de forma pouco responsável, listas de termos descontextualizadas. Cabe aos professores fazer a transposição didáctica desses saberes. A polémica que se tem instalado em torno da TLEBS parece-me, portanto, surpreendente, porque subjaz a muitas das críticas a ideia de que não se deve ensinar o que é não é de compreensão imediata. Será isto o que queremos do ensino?
Artigo publicado na revista Visão a 16/11/06.