A polémica, de novo. Foi assim nos anos 90, quando a Assembleia da República ratificou o Acordo Ortográfico (AO). E já assim tinha sido em 1911, a propósito da chamada «reforma de Gonçalves Viana», muito boa, por sinal, mas considerada, na altura, «contraproducente, selvagem, antipatriótica, inoportuna, descriteriosa, antifilosófica, mal fundamentada, ridícula...».
Compreendo e respeito quem é contra o AO, mas ainda não encontrei argumentos que invalidem as vantagens de uma ortografia comum aos oito países de língua portuguesa.
Ninguém pode esperar que os cidadãos encarem com entusiasmo a necessidade de alterar hábitos de escrita. Mas os mais velhos sabem que a ortografia pode ser simplificada. Aconteceu em 1973, quando deixámos cair os acentos de sozinho, cafezinho e rapidamente, por exemplo.
Há quem questione «a uniformização» da escrita, invocando as diferenças vocabulares e de pronúncia entre Portugal e o Brasil. Ora, escrever do mesmo modo não significa falar do mesmo modo, como provam, designadamente, os alentejanos e os micaelenses. E, quanto ao vocabulário, recordo que em território português, por exemplo, o «estrugido» e a «sertã» convivem, sem problemas, com o «refogado» e a «frigideira».
É natural que algumas opções não sejam consensuais, até porque nenhum sistema ortográfico é perfeito. Cândido de Figueiredo, um dos autores da reforma de 1911, afirmou que, «se individualmente fosse encarregado de propor a reforma, faria proposta que, nalguns pontos, embora secundários, divergiria da proposta» apresentada.
Compreendo as reservas dos editores. É verdade que é necessário actualizar os dicionários, as gramáticas, os prontuários e os vocabulários. E fazer novas edições dos manuais escolares e dos livros infanto-juvenis. Mas é absurdo dizer que vamos «deitar fora» livros por causa do acordo. Será que alguém se desfez das edições antigas do Camilo ou do Eça? E nem sequer me refiro às valiosas primeiras edições! Guardo nos meus «reservados» uma edição de Os Lusíadas de 1882, precedida de uma «biographia do poeta, escripta pelo sr. Innocencio Francisco da Silva, seguida d’um diccionario dos nomes proprios, historicos, geographicos e mythologicos, que se encontram no poema».
Sou a favor do AO, porque é necessário pôr termo a esta singularidade de termos uma língua com dupla ortografia, situação que tem dificultado a internacionalização do nosso idioma, quer em universidades estrangeiras, quer em organismos em que Portugal e o Brasil têm assento. A unificação ortográfica não faz milagres, mas é o primeiro passo para uma política da língua coerente.
Conta Júlio Dantas (presidente da Academia das Ciências ao tempo), a propósito da Convenção de 1943, que «bastou a simples notícia do Acordo, que acabava de assinar-se, para que as universidades estrangeiras, que haviam oposto legítimas dúvidas à criação de cadeiras e leitorados de língua portuguesa, nos abrissem de par em par as suas portas». É tempo de acabar com o «desacordo» que nos separa dos nossos irmãos de língua.
Artigo publicado no caderno Actual do semanário português Expresso do dia 10 de Maio de 2008.