A partir do momento em que o Acordo Ortográfico for aprovado, ratificado pelo Presidente da República e publicado em Diário da República, o que é que esperamos para o aplicar? Muito depende das instituições do Estado — sistema de ensino e documentos oficiais. Mas a sociedade civil também tem um papel. Editoras e jornais, o que farão?
Como será nas escolas?
Ontem, o Ministério da Educação disse não ter qualquer comentário sobre o assunto neste momento.
Não há, portanto, oficialmente, nenhuma informação sobre como se processará a entrada em vigor do acordo no ensino. O ministro da Cultura, José António Pinto Ribeiro, já manifestou "confiança nos professores", declarando não ter dúvidas de que estes saberão fazer a transição para as novas regras sem problemas.
A deputada social-democrata e editora Zita Seabra tem uma opinião diferente. "Esta é uma lei que nos quer obrigar a escrever sem regras claras", diz, referindo-se ao facto de em algumas palavras se poder optar por diferentes grafias. "O ensino deve ser uma coisa clara. Não se pode dizer a uma criança que tanto faz escrever assim ou assado."
E nos documentos oficiais?
Também aí a resposta depende do Governo e não existe ainda informação sobre o momento em que o Acordo Ortográfico começará a ser aplicado. O ministro da Cultura disse apenas acreditar que a transição estará concluída no prazo de seis anos.
Como vão fazer os jornais?
O "Público" ainda não tomou posição sobre o assunto, diz o director José Manuel Fernandes, mas, depois da aprovação da lei, "está a equacionar consultar os leitores e o Conselho Consultivo". João Marcelino, director do "Diário de Notícias", diz que a questão também ainda não foi discutida no seu jornal. Embora considere que "colocar regras comuns aos falantes da língua é positivo", pensa que a aplicação "deve fazer-se de uma forma colectiva". Os jornais devem avançar, mas será necessário "um período de habituação".
Vítor Serpa, de "A Bola", explica que por causa da mudança gráfica que o jornal está a fazer ainda não pegou no tema do Acordo Ortográfico. O "Expresso" irá aplicar o acordo, afirma o seu director, Henrique Monteiro, até porque o tem defendido. No entanto, "os jornais não devem ter uma
atitude de puro vanguardismo e avançar sozinhos contra tudo e contra todos". De qualquer forma, quando acontecer, a mudança será evidente logo no título de um dos seus cadernos: o "Actual".
E os editores?
"Ainda não decidi", declara Zeferino Coelho, editor da "Caminho". "Vamos esperar que as coisas estejam formalizadas e depois discutiremos entre nós." Considera, no entanto, que "a longo prazo não faz sentido uma editora continuar a escrever com a grafia antiga". Para já, a "Caminho" está a preparar-se para lançar um vocabulário explicando as palavras que mudam e como mudam. Zita Seabra, editora da Alêtheia (que acaba de lançar Acordo Ortográfico: A Perspectiva do Desastre, de Vasco Graça Moura), pergunta o que se fará com os livros já editados e que são fornecidos às bibliotecas escolares: "Terão que ser todos substituídos, ou as crianças vão ler com uma grafia diferente daquela que estão a aprender?".
Paulo Gonçalves, da "Porto Editora", que edita muitos livros escolares, explica que aí tudo depende das directivas do Ministério da Educação, que até agora não existem. Quanto a outro tipo de edições "não há nenhuma decisão" — à excepção do dicionário que já foi lançado com as palavras escritas com dupla grafia.
in "Público", 16 de Maio de 2004