Novamente disponível e atualizada, a Plataforma do Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa (VOC) é lançada publicamente neste dia, na sede da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), em Lisboa. Instrumento de gestão linguística cuja elaboração foi coordenada pelo Instituto Internacional da Língua Portuguesa, entidade responsável pela política da língua no âmbito da CPLP, o VOC reúne todos os vocabulários ortográficos nacionais (VON) dos Estados-membros, fixando a grafia das palavras conforme os princípios do novo Acordo Ortográfico, a que se acresce informação sobre a flexão e a divisão silábica dos vocábulos. Sublinhe-se que a importância deste instrumento advém igualmente de ser esta a primeira vez que países como Moçambique ou Timor-Leste tiveram a oportunidade de organizar os seus próprios vocabulários ortográficos nacionais, juntando-se assim a Portugal e ao Brasil, onde tal tipo de recursos já tem tradição. «Em fase de incorporação e já validado pelas autoridades competentes – segundo declarações do linguista José Pedro Ferreira ao Jornal de Notícias – encontra-se o vocabulário de Cabo Verde, enquanto o de São Tomé e Príncipe está em fase de validação.» Mais atrasados estão os trabalhos com os vocabulários da Guiné-Bissau e de Angola. É ainda de lembrar que o VOC foi oficialmente reconhecido pelos Estados-membros da CPLP mediante as conclusões finais da X Conferência de chefes de Estado e de Governo da CPLP, realizada em julho de 2014 em Díli. Mais pormenores na rubrica Notícias.
Como no Brasil, também nos Açores se pode dizer apelido aquilo que no continente é conhecido como alcunha. E que alcunhas ou apelidos se usam no arquipélago? A rubrica O Nosso Idioma disponibiliza um texto do jornalista açoriano Joel Neto publicado no Diário de Notícias justamente sobre os nomes usados nas ilhas açorianas; são exemplos Chorica, porque o/a visado/a chora ou se queixa frequentemente, e Fininho, certamente em alusão à magreza –, mas há mais.
No Pelourinho, retomando anteriores chamadas de atenção registadas aqui no Ciberdúvidas – a última das quais foi esta –, inclui-se um apontamento do professor António Bagão Félix, respigado do blogue Tudo Menos Economia, sobre o uso incorreto do adjetivo humanitário na comunicação social portuguesa.
O consultório põe em foco dúvidas quanto à sintaxe e boa formação de palavras, além de explicar como se referenciam as imagens usadas num documento; e, ainda, em nota a uma resposta recente, a nossa consultora Sandra Duarte Tavares apresenta mais argumentos para considerar que a sequência «já tenho problemas que cheguem» é uma frase correta, ao contrário de «já tenho problemas "que chegue"».
As notícias em Portugal voltam a ter incidência linguística. Desta vez, é por causa da subida do preço dos sacos plásticos para transporte das compras feitas nos supermercados e hipermercados. Acontece que a publicidade e a comunicação social se referem a estes espaços comerciais por formas mais curtas, sobretudo no caso de hipermercado, escrevendo frequentemente híper e, no plural, "hipers". Contudo, para a congruência destas formas com as regras que definem a relação grafia-fonia, o uso correto corresponde a híper e híperes, à semelhança da acentuação de líder e líderes. Também a forma "super-", um prefixo que pode passar a palavra autónoma, deve ser grafada súper, quando ocorre como adjetivo e substantivo: «gasolina súper»; «fomos ao súper» (cf. Dicionário Priberam da Língua Portuguesa e dicionário da Porto Editora). Observe-se que os atuais vocabulários ortográficos não registam estas palavras.
Apesar do inverno benigno de parte de Portugal, é lugar-comum a referência ao ambiente gélido de muitas casas, por exemplo, da capital portuguesa, sem sistema de aquecimento para resistir ao frio inesperado. Se não fossem os dias "solarengos"... – perdão, os dias soalheiros. Na verdade, um dia cheio de sol é um «dia soalheiro» ou um «dia ensolarado», mas nunca um «dia "solarengo"», como se continua erradamente a dizer nos media portugueses (por exemplo, aqui), agora a propósito do tempo luminoso mas gelado que vem assolando quase todas as terras lusas. Basta consultar um texto em arquivo no Pelourinho para recordar que solarengo nada tem que ver com sol. Relaciona-se, sim, com o substantivo solar, «palácio ou edifício pertencente a família nobre», que vem de solo, «terra».
Sob a influência do frio continua o consultório, para falar da conjugação do verbo gear, além de abordar outros tópicos: o significado de moche, o uso do estrangeirismo gruyère, a regência do verbo ascender e a diferença entre ofender e insultar. Finalmente no Correio, um consulente manifesta o seu apreço por uma resposta do nosso consultor Gonçalo Neves.
Perdura a discussão de certas questões linguísticas, porque subsistem dúvidas sobre os critérios a ter na boa formação de palavras e expressões. Deve dizer-se «ciclo vicioso», ou «círculo vicioso»? «Círculo vicioso» é que é a forma correta, como se explica na atualização do consultório, onde também se pergunta: é legítimo associar considerar à preposição de e dizer que «consideramos uma visita "de" positiva»? E como usar as locuções «por seu turno», «por parte de» e «a exemplo de»? E, rebuscando antigas perguntas em arquivo, estará certo empregar perca em vez de perda? No Correio, uma consulente retoma outro velho problema: «melhor feito» poderá ser uso mais correto que «mais bem feito»?
Apreciando os usos linguísticos das notícias publicadas em Portugal, selecionamos duas questões:
– Em referência às dificuldades de acesso a um medicamento inovador para o tratamento da hepatite C, notam-se oscilações na pronúncia da vogal que começa o próprio nome da doença: h[é]patite, h[ê]patite, ou h[i]patite? Esta variação, típica do português de Portugal, não é alvo de censura normativa, conforme se pode avaliar pelo seguinte comentário: «[...] a rubrica das vogais átonas iniciais provenientes de [e] e de [o] (grafadas <(h)e-> e <(h)o->, respectivamente) é, de facto, uma das mais difíceis de caracterizar em termos absolutos. Na realidade, no estado actual do português europeu não é possível uma caracterização absoluta que corresponda à identificação de uma pronunciação única ou claramente dominante» (António Emiliano, Fonética do Português Europeu: Descrição e Transcrição, Lisboa, Guimarães Editora, 2009, 377; manteve-se a ortografia original).
– Sobre um encontro do líder espiritual dos tibetanos com o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, surgem hesitações na escrita de dalai-lama: como se vê, é palavra que tem hífen e se grafa geralmente com minúscula inicial (a maiúscula ocorrerá só em situações que requeiram especial deferência).
Para rimar com França, temos palavras como vizinhança, herança ou mudança. E que tal aragança? É verdade que rima na expressão «Franças e Araganças», mas não se pode dizer que seja uma palavra que tenha uso corrente fora desta expressão, conforme se observa numa resposta do consultório. Da nova atualização fazem parte outras questões: em «sete da tarde», qual é relação sintática entre «sete» e «da tarde»? É possível combinar duas preposições depois de um verbo? Que diferença entre o aspeto habitual e o aspeto iterativo? E como se podem chamar os naturais ou habitantes da cidade de Leiria?
As situações de extrema violência ou cenários de crise profunda em diferentes países – mencionem-se a Síria com o Iraque, a Nigéria, a Ucrânia ou até a Grécia –, deixando as populações à beira do aniquilamento, são motivo de enorme preocupação e, inevitavelmente, na ordem do dia dos noticiários em língua portuguesa. Menos curial é a insistência nas erróneas expressões «tragédia "humanitária"» ou «crise "humanitária"»; deem-se dois exemplos: «Centenas de milhares de sírios fugiram para a Turquia, nos últimos meses, após o início da ofensiva do Estado Islâmico naquela cidade, criando uma crise humanitária» (Observador, 29/01/2015); «A prioridade do seu Governo é combater “a crise social e humanitária”» (Público, 1/02/2015). São decalques de usos discutíveis de humanitarian em inglês («humanitarian tragedy», «humanitarian crisis»), transpostos no português e noutras línguas, como o espanhol, idioma que as imita, apesar das reservas das suas entidades com voz normativa. Se humanitário significa em «prol da humanidade», tem todo o sentido falar em «ajuda humanitária», mas já contraditório se torna associar tragédia ou crise a humanitário. Mesmo assim, na escrita jornalística em português acontece o mesmo que ocorre noutras paragens linguísticas: as expressões entranharam-se, e chega a parecer estranha uma alternativa consistente e vernácula. Porque não «tragédia humana» e «crise humana»1? Um episódio do programa Cuidado com a Língua! focou em tempos esta questão, numa breve sequência que está disponível no portal RTP Ensina.
1 Tal como sempre se disse e escreveu «desgraça (ou miséria) humana» – e não, nunca, «desgraça (ou miséria) humanitária».
Cf. Errar também será “humanitário”? + Quando é que um drama pode ser "humanitário"?! + Caos "humanitário"?! + Humanitário ≠ humano
Em Portugal, a divulgação em 26/01/2015 dos resultados da polémica Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidade (PACC), realizada em dezembro de 2014 por numerosos professores contratados, levou a comunicação social a focar os erros de ortografia, pontuação e sintaxe detetados no item 33 (resposta extensa orientada). As percentagens que o Instituto de Avaliação Educativa (IAVE) revelou em comunicado de imprensa – 19,9% das respostas continham 5 ou mais erros de ortografia, enquanto igual número de erros se registou em relação à pontuação de 16% respostas (a sintaxe «evidencia melhor desempenho») – suscitaram vários comentários, alguns para defender a prova, outros dela fortemente críticos (inclusive, sobre o português de quem a redigiu). Mas, na deteção dos erros ortográficos, uma questão está por esclarecer: terá sofrido penalização quem ignorou o novo acordo ortográfico? Convém observar que o acordo ortográfico de 1990 (AO 90) está a ser aplicado nas escolas portuguesas desde setembro de 2011 (na administração pública, desde janeiro de 2012). Mas deve igualmente lembrar-se que, em Portugal, até 13 de maio de 2015, o AO 90 coexiste com um documento normativo anterior, o de 1945.
27 de janeiro, Dia Internacional da Memória do Holocausto, instituído desde 2005 pelas Nações Unidas, assinalou neste ano o 70.º aniversário da libertação pelo Exército soviético dos prisioneiros do campo de concentração de Auschwitz – o acontecimento que marcou a sua revelação ao mundo. Este processo de extermínio sistemático de populações civis, levado a cabo pelo regime alemão nazi durante a 2.ª Guerra Mundial, afetou várias comunidades, sendo, sem dúvida, a judia a mais martirizada. Em hebraico, a tragédia é designada por Shoah (também escrito Shoá), palavra que significa «catástrofe», mas em português diz-se Holocausto que – como formas paralelas noutras línguas – provém do grego holókaustos (hólos, «total, completo, inteiro», + kaustós, «queimado»), «sacrifício em que se queima a vítima inteira», por intermédio da forma latina holocaustum. Não se julgue que a palavra é recente em português: pelo contrário, é usada como substantivo comum e tem longa tradição em textos de índole religiosa, por aludir aos sacrifícios que os antigos hebreus praticavam e o Antigo Testamento refere. Pode ser sinónimo de sacrifício, como atesta a seguinte frase quinhentista, associando holocausto à construção de um paradoxo: «Pera o merecimento tambem, melhor he a obediencia que sacrificio, e nenhua cousa se offerece mais grata a Deos, que o holocausto da sancta obediencia» (Espelho de Disciplina, em Crónica dos Frades Menores, incluída no Corpus do Português, de Mark Davies e Michael Ferreira).
Este é um espaço de esclarecimento, informação, debate e promoção da língua portuguesa, numa perspetiva de afirmação dos valores culturais dos oito países de língua oficial portuguesa, fundado em 1997. Na diversidade de todos, o mesmo mar por onde navegamos e nos reconhecemos.
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