O sistema vocálico do latim clássico era constituído por dez vogais: cinco longas (ā, ē, ī, ō, ū) e cinco breves (ă, ĕ, ĭ, ŏ, ŭ). A duração das vogais tinha valor fonológico, desempenhando uma função distintiva essencial na linguagem falada, como se pode verificar pelos seguintes pares:
mālum («maçã») / mălum («mal»)
vēnit («veio») / vĕnit («vem»)
dīco («digo») / dĭco («consagro»)
ōs («boca») / ŏs («osso»)
lūteus («amarelo») / lŭteus («de lama»)
Esta distinção da quantidade vocálica do latim perdeu-se durante o longo processo de formação das línguas românicas, com resultados diversos consoante as línguas que dele derivaram. No caso do português, podemos dizer que a quantidade vocálica do latim clássico foi substituída pela diferença de timbre entre as vogais médias do latim vulgar, a qual acabou por dar origem a uma oposição distintiva entre vogais médias abertas e vogais médias fechadas, ou seja, entre e aberto (/ɛ/) e e fechado (/e/), bem como entre o aberto (/ɔ/) e o fechado (/o/).
De acordo com as gramáticas históricas e com os manuais de filologia, a transformação das vogais e ditongos latinos operou-se da seguinte forma durante a passagem para o português:
ā, ă > a
ĕ, æ > é (aberto)
ē, œ, ĭ, > ê (fechado)
ī > /i/
ŏ > ó (aberto)
ŏ, ŭ > ô (fechado)
ū > u
Eis alguns exemplos da passagem de ē (e longo) a /e/ (e fechado):
acētu(m) > azedo
mēnse(m) > mês
vidēre > ver
Eis também alguns exemplos da passagem de ĕ (e breve) a /ɛ/ (e aberto):
dĕcem > dez
lĕpore(m) > lebre
pĕde(m) > pé
É esta a “regra” geral, à qual, porém, não faltam inúmeras “exceções”. Eis algumas das mais conhecidas:
athlēta(m) > atleta
dĕus > deus
ĕgo > eu
mĕu(m) > meu
sincēru(m) > sincero
mĕtu(m) > medo
mēta(m) > meta
sēriu(m) > sério
Para explicar estas exceções, os estudiosos costumam invocar a analogia com outras palavras ou os fenómenos de natureza assimilativa, sobretudo a metafonia, embora nem sempre haja concordância em relação à explicação proposta para este ou para aquele vocábulo...
Em relação a prelo, tem razão o nosso consulente: provém de prēlu(m), pelo que, de acordo com a regra, “seria de esperar” que o e fosse fechado, mas a verdade é que se profere com e aberto. Não encontrei nenhum autor que explicasse tal “desvio”, mas estou em crer que, neste caso, não será necessário recorrermos a qualquer analogia nem à metafonia para o deslindar. Este vocábulo, ao que tudo indica, é de importação tardia. José Pedro Machado, no seu Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa (4.ª edição, 1987, vol. IV, p. 422), refere a data de 1813 e informa que entrou «por via culta». Já o Houaiss Eletrónico aponta para 1679 aduzindo que se encontra na obra O Ceo Aberto na Terra. Historia das Sagradas Congregações dos Conegos Seculares de S. Jorge em Alga de Veneza & de S. João Evangelista em Portugal, um bojudo in-fólio de 1144 páginas, da autoria do padre Francisco de Santa Maria. Por não ter passado pelo crivo popular, é natural que este vocábulo não tenha estado sujeito à transformação fonética anteriormente referida.