DÚVIDAS

Relógio, como metonímia e personificação

No poema a seguir, gostaria de saber como interpretar o valor estilístico do termo relógio. Poderia ser considerado uma metonímia referente ao tempo ou à passagem do tempo?

Obrigado.

REGISTRO IMPLACÁVEL


Do alto da igreja-matriz
Espreita o relógio arcano
Seus ponteiros marcam sutis
A realidade presente
Num inexplicável engano


Espia homens que passam
Fruindo um tempo fecundo
Felizes e despreocupados
Com a vida que viaja
Num curtíssimo segundo


Para ele, nada é obscuro,
Pois tudo vê e verá
Do passado e do futuro
E a vida fica contida
Nesse caminho circular


A todos, do relógio vela
O olhar aborrecido
Confrontando, inerte e mudo,
Todo sonho inalcançável
Todo desejo reprimido


Se algo de fato assinala
A sua continuada ação,
É o ilusório valor
De um descuidado viver
Sem a morte por condição.

Resposta

De acordo com o E-Dicionário de Termos Literários, coordenado pelo prof. Carlos Ceia (consultado em 3 de novembro de 2013), a metonímia é, «em sentido lato, [...] a figura de linguagem por meio da qual se coloca uma palavra em lugar de outra cujo significado dá a entender. Ou a figura de estilo que consiste na substituição de um nome por outro em virtude de uma relação semântica extrínseca existente entre ambos. Ou, ainda, uma translação de sentido pela proximidade de ideias. Consiste, assim, na ampliação do âmbito de significação de uma palavra ou expressão, partindo de uma relação objetiva entre a significação própria e a figurada [...]».

Tendo em conta esta definição, de facto, no texto proposto pelo consulente, sim, relógio pode ser entendido como uma metonímia de «tempo», visto que não será de forma alguma despropositado considerar, depois de analisado o conteúdo do poema, assim como a mensagem que dele se pode retirar, que o nome relógio pode substituir o nome tempo, «em virtude de uma relação semântica extrínseca existente entre ambos».

Contudo, e na minha opinião, a figura de retórica que mais salta à vista neste poema será a personificação, já que o «relógio» (ser inanimado) assume, ao longo de todo o texto, qualidades, comportamentos, atitudes e impulsos humanos.

ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de LisboaISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa