«Segundo Aristóteles, é com a metáfora que descobrimos coisas novas — descobrimos coisas novas no meio de coisas que achávamos que eram velhas e conhecidas, como a vida, navios, fichas e tantas outras mais.»
Relógios são metáforas. Relógios de pulso ou de parede, de sol ou de água, não importa. Todos eles são metáforas. O dicionário define “metáfora” como “designação de um objeto ou qualidade mediante uma palavra que designa outro objeto ou qualidade que tem com o primeiro uma relação de semelhança”. Dito de outro modo: a metáfora acontece quando alguém repara que duas coisas que existem no mundo são semelhantes, mas não idênticas, e decide chamar uma pelo nome da outra. Como na canção de Marina Lima, que traz duas metáforas juntas, para falar de uma mesma coisa (a letra é parceria com Antonio Cicero):
[…] seres como nós
Sujeitos a jogar
As fichas todas de uma vez
Sem temer naufragar.
A ideia de «viver a vida» e “correr riscos” se transforma, pela via da metáfora, na ideia de “jogar fichas”, e na de “navegar sem medo”. Cada uma empresta suas particularidades à ideia original e, com isso, o texto ganha liberdade, ou ganha interesse e graça.
Se não fosse pelas possibilidades das metáforas, não haveria por que juntar fichas e navios. Afinal, o que um tem a ver com o outro? Nada. Ou nada a princípio. Mas como metáfora para «se arriscar», têm tudo a ver – a linguagem metafórica não precisa se prender no que existe só a princípio.
Segundo Aristóteles, é com a metáfora que descobrimos coisas novas – descobrimos coisas novas no meio de coisas que achávamos que eram velhas e conhecidas, como a vida, navios, fichas e tantas outras mais.
Voltando aos relógios: eles vêm do grego horologion, instrumento que mede o tempo (basicamente, um relógio, mas mais antigo). Apesar de serem coisas, podemos dizer que eles são metáforas porque fazem a mesma operação, no plano dos objetos, que as palavras fazem no plano do texto. Eles veem duas situações parecidas e sobrepõem uma à outra. Mais especificamente, na metáfora criada pelos relógios, o tempo é chamado de distância. Doze horas (tempo) se traduzem nos 360 graus de uma circunferência (distância); uma hora passa a ser 30 graus, cada minuto, meio grau, e por aí vai. De tão comum que é essa organização, acabamos não percebendo que ela é metafórica, e que nossa percepção do tempo não é necessariamente igual à nossa percepção do espaço, como os relógios fazem parecer. O tempo, para eles, é algo redondo. Para nós, ele pode ter infinitas outras formas – ou tantas formas quanto nossas metáforas forem capazes de de descrever.