É muito interessante a pergunta que o consulente faz. Respondo já, e depois vou tentar elucidá-lo: com a expressão «de forma alguma é azul», pretende-se dizer que algo não é azul, que não há dúvida de que não é azul, ou seja, pretende-se negar a qualidade azul atribuída seja ao que for.
Para o elucidar, vou focar três assuntos: a questão da contextualização das expressões e das frases, o significado da expressão «de forma nenhuma» e o significado de «de forma alguma».
Primeiro que tudo, é preciso dizer que as frases descontextualizadas não podem ser bem interpretadas. A pragmática ensina-nos que o contexto é determinante. Uma frase (por exemplo: «Vens lindo, meu querido!») pode, num determinado contexto, querer dizer o que os seus termos literalmente significam ou, noutro contexto, pode querer dizer precisamente o contrário. Assim, apresentar a frase «De forma alguma é azul» descontextualizada (de situação ou de texto) significa retirar-lhe elementos essenciais para a sua total compreensão. Por outro lado, esta parece-me uma frase artificial, de realização improvável. Mais natural seria um diálogo como o seguinte:
— Isso é azul?
— Não! De forma alguma!
Passando agora às expressões em causa, não parece haver dúvidas de que a frase «de forma nenhuma é azul» significa que algo não é azul. Mas também esta me parece uma frase artificial. Mais natural seria o diálogo seguinte:
— Isso é azul?
— Não! De forma nenhuma!
Concluindo este segundo assunto, não se questiona que o indefinido nenhum (do latim nec unum = nem um) tenha um valor negativo.
E chegamos ao terceiro assunto, que é, afinal, o que está em causa, o do valor da expressão «de forma alguma». Escreveu o saudoso professor José Neves Henriques que «é correcto algum com sentido negativo (= nenhum), quando vem depois de um substantivo». Em abono desta afirmação, temos, por exemplo, a explicação de Celso Cunha e Lindley Cintra (Nova Gramática do Português Contemporâneo, pág. 359):
«Posposto a um substantivo, algum assumiu, na língua moderna, significação negativa, mais forte do que a expressa por nenhum. Em geral, o indefinido adquire este valor em frases onde já existem formas negativas, como não, nem, sem:
Já não morria naquele dia e não tinha pressa alguma em chegar a casa.
(Ferreira de Castro, Obra Completa, II, 694)
Não escreveu, que eu saiba, livro algum.
(Augusto Frederico Schmidt, O Galo Branco, 71-72)»
Reparemos que, em qualquer dos exemplos, o indefinido algum poderia ser substituído por nenhum, este anteposto ao substantivo, e mantendo-se o advérbio de negação: «não tinha nenhuma pressa em chegar a casa»; «não escreveu nenhum livro».
Um exemplo desta construção surge também no adágio «O que não duvida não sabe coisa alguma».
E já n´Os Lusíadas, obra citada na pergunta do consulente, surgem exemplos destes:
(1) «Nunca juízo algum, alto e profundo,
Nem cítara sonora ou vivo engenho,
Te dê por isso fama nem memória». (IV, 102)
(2) «Mas, como nunca, enfim, meus companheiros
Palavra sua algũa alcançaram
Que desse algum sinal do que buscamos,
As velas dando, as âncoras levamos.» (V, 64)
Evidencio, aqui, então, a importância do contexto, que acima referi. É que, na expressão «de forma alguma», ou está expresso anteriormente ou está subentendido um «não», uma negativa. A expressão «de forma alguma!», dita de forma assertiva como resposta uma pergunta, subentende uma negativa; trata-se da simplificação de uma expressão em que a negativa estaria expressa.
Para terminar, lembro, ainda, que são sinónimos os termos nunca, jamais, em tempo algum: um pormenor da riqueza da nossa língua!