Antes de mais, importa lembrar que as diferenças morfossintáticas e lexicais entre o português do Brasil (PB) e o português europeu (PE) são muitas e vêm sendo descritas por pesquisadores de ambos os lados do Atlântico.
As diferenças fonéticas e fonológicas, entretanto, precisam de um capítulo à parte por, pelo menos, uma razão: tanto Portugal como o Brasil têm uma variedade importante de falares distribuídos pelas suas regiões que implicam diferenças tanto fonéticas quanto fonológicas, mesmo dentro das suas fronteiras. Assim, sinto-me desconfortável quanto ao uso generalizante (e, até mesmo, maniqueísta) da dicotomia PB/PE. Mas, como há que fazer escolhas, e todo comentário é localizado e circunstancial, mantenho a distinção já usada nas consultas, embora venha a discuti-la ao longo do meu comentário.
Há muito que já não se tomam como padrão as realizações dos falantes do Rio ou São Paulo, embora essa tendência ainda se faça sentir eventualmente, dependendo do maior ou menor grau de flexibilidade ou conservadorismo de quem julga. De toda forma, por questões políticas e econó[ô]micas, é a região Sudeste, onde estão localizadas as duas maiores cidades, que irradia informação para o resto do país, tanto sob a forma escrita como sob a forma falada, já que a maior emissora de televisão do país tem sede no Rio de Janeiro. Em todo caso, os habitantes das diferentes regiões sentem-se, em geral, solidários com as realizações fonológicas mais comuns em cada local e dificilmente aderem a padrões outros, mesmo que reproduzidos pela televisão.
Tudo isso proporciona um leque grande de realizações quando se considera subtilezas como, no caso, as diferenças entre vogais orais e nasais. Além disso, essas não são as únicas propriedades que influenciam o modo como uma simples vogal, dentro de uma palavra, dentro de um sintagma, será pronunciada. Há que ter sempre em mente a premissa 1 da Fonémica, expressa por PIKE (1947) e comentada e exemplificada para o português por SILVA (2003) de que «Os sons tendem a ser modificados pelo ambiente em que se encontram». O ambiente propício à modificação dos segmentos pode constituir-se por:
(1) sons vizinhos (precedentes ou seguintes); (2) fronteiras de sílabas, de morfemas, de palavras e de sentenças; e (3) a posição do som em relação ao acento (SILVA, 2003: 119).
Seguem alguns exemplos a propósito da oposição nasal/oral para as vogais conforme as regiões do Brasil.
Banana:
Nas regiões do Rio de Janeiro, Sul de Minas e São Paulo, o primeiro a é ligeiramente nasalizado, pela assimilação da nasalização provocada pelo n imediatamente posterior.
O mesmo acontece com o segundo a.
Na Bahia e, acredito, em boa parte do Nordeste, esse primeiro a é oral, mas não o segundo.
Essa distinção não parece se repetir, por exemplo, no vocábulo cama, que tem o primeiro a nasalizado em ambas as regiões, diferentemente do que acontece em Portugal. Isso se dá, no Brasil, pois a regra é que a vogal em posição tónica que precede a consoante nasal é obrigatoriamente nasalizada, se essa vogal está em posição pretónica, a nasalização é opcional, o que explica a forma de pronunciar banana no Rio e em Salvador.
Apenas a título informativo, a nasalização da vogal imediatamente anterior a uma consoante nasal n ou m parece ocorrer com bastante regularidade no Sudeste do Brasil e com alguma alternância em outras regiões do país.
A comparação entre as pronúncias do PB e do PE pode causar "estranheza" em observadores, pois seus falantes declaram amor com pronúncias bastante distintas...
«Amo-te», em Portugal, com um a bastante mais oral do que o «Eu te amo», no Brasil, com uma ênfase nasalizante na vogal que inicia o verbo.
A título de exercício, proponho que falantes de PE pronunciem as seguintes palavras: canavial (PB: nasal no SE, oral no NE), caminho, caminhante (PB: eventualmente nasal no SE, sempre oral no NE), família, camélia (PB: ambos os vocábulos com pronúncias e variações semelhantes ao a inicial de banana).
Um exemplo mais marcante da assimilação da nasal pelas vogais encontra-se na comparação entre a pronúncia de gato (a oral, tanto em PB como em PE) e gamo (a muito mais nasalizado em PB do que em PE).
Quanto à fêmea, temos a nasalização da vogal em posição tónica como padrão. Porém, um nordestino e um carioca vão pronunciar essa palavra de formas distintas. No SE, a pronúncia é de um e nasalizado, como em leme; já no NE, ouvimos um e tónico, porém, oral, o que é uma marca da pronúncia dessa região brasileira e que, acredito, se aproxima bastante da pronúncia “padrão” em PE.
Quanto a mãe e bem, são ambos ditongos nasais decrescentes e soam na maior parte do Brasil, grosso modo, [ãj] e [ẽj] respectivamente. O que me parece ocorrer no PE é que há, via de regra, uma redução da nasalização na primeira vogal do ditongo, como acontece nas vogais que antecedem consoantes nasais, fenómeno distintivo entre PB e PE.
Referências:
PIKE, K. (1947) Phonemics – a technique for reducing languages to writing. Ann Arbor. The University of Michigan Press.
SILVA, T. C. (2003) Fonética e fonologia do português. São Paulo: Contexto.