Antes de mais, gostaria de salientar que, no estudo da língua portuguesa, como noutras áreas de investigação, nada fica resolvido de uma vez por todas. Esse é um dos seus atractivos, se bem que seja também o aspecto que mais dores de cabeça nos provoca.
Há, porém, e cada vez mais, instrumentos que nos ajudam a resolver algumas dúvidas.
No caso da distinção entre coordenação e subordinação adverbial – a subordinação substantiva e a adjectiva não levantam, creio, problemas deste tipo pelas suas características intrínsecas – há dois aspectos, entre outros, que podem ajudar a decidir:
A – A frase coordenada nunca pode iniciar a frase complexa resultante, ou seja, não tem mobilidade no seio da frase complexa:
(1) A Maria vai ao cinema e o João vai ao teatro.
(1.1) *E o João vai ao teatro a Maria vai ao cinema.
(2) Adoro a praia,mas protejo-me do sol.
(2.1) *Mas protejo-me do sol, adoro a praia.
Atenção que o que está em causa não é a impossibilidade de iniciar um período com uma conjunção coordenativa. Isso pode acontecer, mas, nesse caso, a relação que se estabelece não é interfrásica, mas transfrásica ou discursiva. Ou seja, um bloco de texto superior a frase é ligado a outro bloco de texto por adição ou por oposição de sentido através de uma conjunção que assume aí o papel de um conector discursivo.
Vejamos agora se o mesmo acontece com as subordinadas:
(3) A Maria vai ao cinema, enquanto o João vai ao teatro.
(3.1) Enquanto o João vai ao teatro, a Maria vai ao cinema.
(4) Não fui ao cinema porque estava frio.
(4.1) Porque estava frio não fui ao cinema.
Note-se que, sintacticamente, as frases subordinadas apresentadas são correctas, o que não quer dizer que tenham exactamente o mesmo sentido (antes pelo contrário…).
O teste que acabo de apresentar não resolve todas as questões. Não permite, por exemplo, explicar porque uma consecutiva não tem esta flexibilidade, embora seja, indiscutivelmente, subordinada. Vejamos:
(5) Estava tão cansada, que não fui ao cinema.
(5.1) *Que não fui ao cinema, estava tão cansada.
B – O tipo de relação que se estabelece está intimamente ligado ao tipo de conjunção que intervém nessa relação. E as conjunções coordenativas permitem ligar elementos inferiores a frase e podem mesmo ligar frases subordinadas. Outro teste que se pode fazer é isolar a conjunção que intervém na ligação da frase complexa e ver se ela pode ligar grupos inferiores a frase ou frases subordinadas:
(6) O João e a Maria foram ao cinema.
(6.1) O João mas não a Maria foi ao cinema
(7) O José disse que a Maria foi ao cinema e que o João foi ao teatro.
(8) *O João porque a Maria foi ao teatro.
(8.1) *O João enquanto a Maria foi ao teatro.
(8.2) *Tanto o João que a Maria foi ao teatro.
É claro que é possível assumir que os exemplos apresentados em (8) podem
transformar-se em frases complexas bem formadas, mas apenas se lhes forem introduzidos elementos que os transformem em frases complexas com se exemplifica em (9):
(9) O João, porque a Maria foi ao teatro, teve tempo para ler o jornal.
(9.1) O João, enquanto a Maria foi ao teatro, leu o jornal.
(9.2) Tanto o João insistiu, que a Maria foi ao teatro.
Veja-se que as consecutivas, que contrariam o teste A, não passam no teste B. Mas não são só as consecutivas que «baralham o esquema» ao contrariar o exemplo A. Também as comparativas têm, por vezes, um comportamento marginal, o que leva alguns estudiosos a propor classificações alternativas – propondo por exemplo outros tipos de relação entre as frases para além da coordenação e da subordinação –, ainda que não tão convincentes, que, por enquanto, tenham vingado… Repare-se em (10):
(10) O João gosta de cinema como a Maria gosta de teatro.
(10.1) Como a Maria gosta de teatro, o João gosta de cinema.
(10.2) O João, como a Maria, gosta de teatro.
Aparentemente (10.2) contraria o previsto em B, ou seja, parece admitir a ligação de elementos inferiores a frase. Note-se, no entanto, que «como a Maria» ocorre entre vírgulas, o que pode significar que não há uma relação directa com o grupo nominal «o João». Estamos, provavelmente, perante uma estrutura elíptica. Por outro lado, como se vê em (10.1), estas frases não passam o teste A.
Salvaguardadas as duas situações problemáticas (consecutivas e comparativas), estes dois exercícios poderão ajudar a resolver as dúvidas dos alunos.
Não abordei, propositadamente, as disjuntivas, as conclusivas nem as explicativas.
As disjuntivas não causam qualquer problema, pois embora possam integrar a conjunção no início das duas frases, ou elementos relacionados, não podem ocorrer sem a conjunção a iniciar o segundo termo:
(11) Ou acabas o trabalho ou eu me zango.
(11.1) Acabas o trabalho, ou eu zango-me.
(11.2) *Ou eu zango-me acabas o trabalho.
(11.3) O João disse que ou a Maria ia ao cinema ou (que) o João ia ao teatro.
Além disso, ocorrem muitas vezes a coordenar grupos inferiores a frase:
(11.4) Não sei se vem o João ou a Maria.
Um pouco diferente é a situação dos outros dois tipos tradicionalmente inseridos na coordenação: as conclusivas e as explicativas:
(12) Estou cansada, portanto não vou ao cinema.
(12.1) (?)Portanto não vou ao cinema, estou cansada.
(12.2) *O João portanto a Maria não vai ao cinema.
(12.3) *O João disse que a Maria ia ao cinema portanto que o José ia ao teatro.
(13) Não vou ao cinema pois estou cansada.
(13.1) *Pois estou cansada não vou ao cinema.
(13.2) *O João pois a Maria não vai ao cinema.
(13.3) (?) O João disse que a Maria ia ao cinema pois que o João ia ao teatro.
Pelos exemplos (12) e (13) se pode verificar que não é evidente a inclusão das conclusivas e das explicativas nas coordenadas, pois, se dificilmente ocorrem em início de frase, o que as aproxima das coordenadas, também dificilmente se enquadram no teste B. Outros testes são apresentados, por exemplo na Gramática da Língua Portuguesa de Mira Mateus e outras, 5.ª ed., 2003. Creio que os dois apresentados são fáceis e permitem resultados satisfatórios, na distinção entre coordenação e subordinação adverbial, pelo menos nos seus traços mais gerais.
Bom trabalho!