DÚVIDAS

Ainda a subordinação e a coordenação

Quero começar por agradecer à Sr.ª Edite Prada pela excelente resposta. Permitam-me no entanto discordar (sei que não é dela) do segundo teste para a distinção. Vejamos a frase «O Paulo foi ao cinema e o Carlos arranjou esta mesa.» Não dá para pôr o «O Paulo e o Carlos foi ao cinema....» Isto simplesmente porque os predicados são totalmente diferentes. É isso o que acontece praticamente sempre com “pois”.
Reparem que esta frase até seria admissível, ou pelo menos não seria repulsiva: «A criança, pois também a mãe, tinha Hepatite.»
Soa só um pouco estranho porque a quantidade de vezes que há necessidade de dizer uma frase como esta é muito diminuta. É preciso muita coincidência para que a explicação use o mesmo predicado que o explicado.
Por outro lado, não acho correto porem, por exemplo, o “pois” e o “portanto” no "mesmo saco". Eu até cedo que “portanto” seja considerado só um advérbio conector e não uma conjunção coordenada (já as gramáticas antigas se referiam a isso).
No entanto vejam a diferença entre os dois.

A1) Vou tomar uma aspirina pois não agüento mais as dores.
A2)* Vou tomar uma aspirina não agüento, pois, mais as dores. -> Possível? O significado é diferente...
A3) * Vou tomar uma aspirina, não agüento mais as dores, pois. -> Possível?
O significado é diferente...

B1) Não agüento mais as dores portanto vou tomar uma aspirina.
B2) Não agüento mais as dores vou, portanto, tomar uma aspirina.
B3) Não agüento mais as dores, vou tomar uma aspirina, portanto.

A diferença é notória, penso que é objetivo...

Resposta

Como vem sendo hábito nas nossas trocas de impressões, creio que o consulente se refere ao tema Coordenação ‘vs.’ subordinação e é nessa base que construirei a resposta. Terei em conta igualmente o item «Pois» e os conectores». Na resposta Coordenação ‘vs.’ subordinação, apresentei dois testes que facilitam a distinção entre coordenação e subordinação. Esses dois testes são independentes um do outro, e o segundo é construído com base na possibilidade que as conjunções coordenativas oferecem de relacionar, para além de frases (mesmo quando são subordinadas entre si) elementos inferiores a frase. Não está subjacente a ideia de elipse, mas, sim, a ideia de que é possível relacionar grupos diferentes de frase. Nos exemplos que dei, a coordenação ocorre sempre em sujeitos e em grupos nominais, mas pode ocorrer noutros grupos, com outras funções:

(1) Comprei prendas à Maria e ao João.
(2) Comprei livros e cadernos.
(3) Comprei livros baratos e interessantes.
(4) Comprei muitos e bons livros.

O que o consulente tenta fazer na primeira parte da sua argumentação não tem, pois, razão de ser à luz do teste apresentado. Na frase «O Paulo foi ao cinema e o Carlos arranjou esta mesa», o que está a ser relacionado são frases, e o segundo teste não relaciona frases a não ser que sejam subordinadas entre si, o que não é o caso.
A segunda parte da sua argumentação retoma um outro teste que é um dos cinco que permitem identificar as conjunções coordenativas [recordo que, para muitos estudiosos, as conjunções são um tipo específico de conectores]. Esses testes confirmam propriedades das conjunções coordenativas. Essas propriedades são, segundo Gabriela Matos, pág. 569 da Gramática da Língua Portuguesa, 5.ª edição, Mira Mateus e outras:

«(i) ocupam a posição inicial do membro coordenado;
(ii) não podem deslocar-se no interior do termo coordenado;
(iii) não podem concorrer para uma mesma posição estrutural – a de núcleo da estrutura coordenada;
(iv) coordenam constituintes frásicos e não frásicos;
(v)podem co-ocorrer com complementadores quando coordenam as frases subordinadas por eles iniciadas.»

Entende-se por complementadores as conjunções subordinativas. Retomemos os exemplos A da sua questão, que numero em sequência:

(5) Vou tomar uma aspirina pois não agü(u)ento mais as dores.
(6) Vou tomar uma aspirina não agü(u)ento, pois, mais as dores.
(7) Vou tomar uma aspirina, não agü(u)ento mais as dores, pois.

Retirei o asterisco, pois considero (6) e (7) frases bem formadas, ainda que com sentidos um pouco diferentes de (5), como, aliás, o consulente indica. Mas será o sentido razão suficiente para alterar a classificação sintá(c)tica de uma frase? Se eu admitisse que o sentido é suficiente para alterar a classificação, então a frase (8), abaixo, seria condicional e não copulativa!

(8) Estuda e terás bons resultados.

Com efeito, (8) equivale a «Se estudares terás bons resultados». Do meu ponto de vista, não é porque duas frases têm sentidos diferentes que elas são classificadas de formas distintas. Isso não significa, claro, que o sentido não tenha importância. Tem, e grande, mas não na classificação sintáctica global da frase. Abstenho-me de exemplificar para pois todas as características que concorrem para identificar um vocábulo como conjunção coordenativa. Abstenho-me, igualmente, de atribuir qualquer classificação à palavra, pois seria redundante relativamente a outras respostas que já dei e às quais esta, pelas referências internas, dá acesso.
Uma coisa me parece, porém, certa. A classificação desta palavra, como de outras, não é pacífica e merece, por isso, um estudo aprofundado que não cabe nestas páginas. Não sei qual é a principal área de interesse do consulente. Mas se é a língua portuguesa, porque não aventurar-se a investigar e a tentar esclarecer o assunto? Parece-me que possui alguns requisitos essenciais: a convicção e o interesse. Força!

ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de LisboaISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa