A propósito do (recorrente) erro no uso da forma "precaridade" – e logo por uma entidade com contas devidas também no rigor formal dos pareceres e recomendações emitidos –, o autor reúne aqui algumas pistas para o sinal de pontuação que está longe de poder ser empregado como um mero adorno ou enfeite. In jornal "i" de 21/08/2014.
Segundo o Público, o Tribunal de Contas teria escrito, num documento recente, a palavra "precaridade". Num título, o jornal teria utilizado a mesma "precaridade", com aspas, para indicar a barbaridade. Não fui à procura do fenómeno, mas considerei oportuno reunir algumas observações sobre as aspas.
As aspas são muito mais do que adornos ou enfeites; como estes, devem ser utilizadas com parcimónia. Indicam citações, declarações textuais, palavras empregadas com sentido diferente do habitual, ou avisam o leitor que o autor do texto pretende dar uma ideia contrária àquilo que está a referir. Cada uma destas utilizações poderia ser matéria para um tratado jornalístico, o que não cabe no "amplo" espaço que o jornal me concede.
As aspas têm diversos outros usos, mais óbvios ou dependentes do responsável pela edição de um texto, como nos títulos e nas alcunhas, ou ainda na indicação de palavras estrangeiras (à semelhança dos itálicos e dos negritos). Mas atenção: um apóstrofo não é "uma aspa", as aspas «francesas» são diferentes das aspas 'simples' ou "duplas", e o sinal tipográfico do idem é outra coisa. Aqui também o tema é vasto e merece considerações.
As aspas são daquelas palavras que aparecem sempre no plural. Dizem os linguistas que são "pluralia tantum", por gostarem de companhia e pertencerem à mesma família que as férias, as núpcias, as calças, as cuecas e os óculos. Nunca vi uma "aspa" sozinha. Nem um chinês. Millôr Fernandes diria que não são fabricados (aspas e chineses) em doses individuais.
Texto publicado na coluna do autor Pontos nos ii, no jornal i, de 21 de agosto de 2014. Manteve-se a grafia anterior ao Acordo Ortográfico seguida pelo jornal.