Ultimamente a palavra precariedade tem sido muito utilizada nos meios de comunicação social em reportagens relativas a manifestações de trabalhadores descontentes com a sua situação laboral. Só que muitas vezes se ouve e se vê escrito "precaridade" em vez de precariedade.
Ora, deverá escrever-se (e dizer-se) precariedade, pois este substantivo pertence à mesma família do adjectivo precário, e os substantivos abstractos da mesma família de adjectivos terminados em -ário ou -ório têm a terminação em -iedade. Há outras palavras com estas terminações a respeito das quais se pode estabelecer a mesma relação, como, por exemplo, arbitrariedade e arbitrário, contrariedade e contrário, impropriedade e impróprio, notoriedade e notório, obrigatoriedade e obrigatório, sobriedade e sóbrio, solidariedade e solidário, variedade e vário.
Algumas destas palavras já existiam no latim (contrarietatem, varietatem), outras formaram-se no português, com o sufixo -dade, usado na formação de substantivos abstractos a partir de adjectivos, como, por exemplo, precariedade e solidariedade.
Este erro de pronunciar e escrever a palavra sem a vogal e decorre da confusão com palavras como complementaridade e familiaridade, mas repare-se que as palavras que deram origem a estas (complementar, familiar) terminam em -ar (e não em -ário).
Precariedade é, assim, a qualidade do que é precário. E precário significa que não é estável, que não é seguro, incerto, sujeito a contingências, frágil. Esta palavra provém do latim e sofreu uma evolução de significado (chamada evolução semântica). Primitivamente significava «que só se obtém com súplicas», «mal assegurado», «pouco seguro», «passageiro», «tomado de empréstimo». É que em latim este termo pertence à família da palavra preces (pedidos, súplicas, rogos), que originou idêntica palavra em português, normalmente usada em contexto religioso (as preces a Deus). A expressão «conceder alguma coisa a título precário» significa concedê-la com direito a reavê-la sem pagar indemnização.
E, por falar em pagar, aqui temos outra palavra que também sofreu um processo de evolução semântica. O verbo pagar pertence à família da palavra paz e provém do verbo latino pacare, que significa «pacificar, apaziguar», palavras estas em que também se reconhece a palavra paz, em latim, pax, pacis (nesta língua as palavras variam de forma consoante a função sintáctica que desempenham).
Uma palavra relacionada com precariedade e pagar é o substantivo salário, palavra derivada de sal. O sal foi durante séculos um bem precioso, por ser raro em diversas regiões e ser necessário, nomeadamente, para a conservação de alimentos e tempero da comida. Dado o seu valor, em tempos recuados, alguns impostos eram pagos com certas quantidades de sal. No tempo dos romanos, os funcionários e os soldados recebiam como pagamento rações de sal, passando depois a palavra salário a designar o soldo dado às tropas para comprar sal. Mais tarde, a palavra salário passou a designar, em geral, a remuneração do trabalho de um empregado, tendo-se quase perdido a lembrança do seu significado primitivo.
artigo publicado no Diário do Alentejo de 25 de Abril de 2008, na coluna A Vez... ao Português