a) Não há língua/linguagem sem regras. Não raro, quem ensina tem de mencionar as regras, para melhor e mais fácil aprendizagem.
b) Dei preferência ao r a que chamam «érre rolado», por ser o normal no centro e no norte do país. O outro, o velar, é característico apenas da região de Lisboa. Mesmo aqui, muitos não o pronunciam como velar. A maior parte dos portugueses pronunciam o r rolado. Note-se a maior densidade da população no centro e Norte do que no Sul.
c) Todos os estudiosos de qualquer língua sabem que é o uso que faz a língua. Por isso mesmo, é necessário guiar o uso para que a língua, na sua evolução, não perca as características que a definem e a mantêm: no vocabulário, na morfologia, na sintaxe. Apenas um exemplo: a palavra inglesa «stress». Sempre houve «stress», toda a gente falava do «stress» e ninguém empregava «stress». Então para que é o «stress»?
O «Dicionário de Termos Técnicos Inglês-Português» de Luís Mendes Antas menciona 22 maneiras de traduzir o «stress». Se o «stress» se fixar, do que duvido, a Língua Portuguesa, para este caso, empobrece em 22 maneiras de se exprimir.
d) O acordo ortográfico não tem a importância que muitos lhe atribuem. É apenas a representação gráfica dos sons. Antes do acordo já existiam «Os Lusíadas».
e) Quanto a gasto/gastado e outros, uma coisa é a regra, outra a excepção.
f) Quanto aos dicionários de verbos... enfim, toda a gente erra. É natural que haja erros.
g) Quanto a lugar, já se escrevia assim em meados do séc. XIII, a par de logar. Para quê mudar? Mais ainda: os romanos pronunciavam /lò/, nós pronunciamos /lu/.
h) Julgo que nunca me servi da etimologia para «defender o uso corrente duma palavra», mas apenas para melhor fazer entender essa palavra e o seu uso.
i) Nem sempre é fácil saber quando uma palavra é aceite e consagrada pelo uso. Um exemplo entre muitos: o francês «chauffeur», depois adaptado em «chòfer» e «chofer», andou por cá mais de 100 anos. E como ninguém sabia se se fixaria ou não, foram-se arranjando substitutos. Agora já é raro ouvi-lo.
j) Quanto a «vende-se casas», se se fixar de vez em todas as camadas sociais, não «vai contra as regras básicas da gramática portuguesa», porque a regra passará a ser outra. O mesmo com a forma verbal vistes.
k) Em «a gente vamos», há a concordância pelo sentido. Mas enquanto não se fixar, quem ministra a Língua Portuguesa ensinará «a gente vai». O mesmo com «tu viste». Isto é, guia-se a evolução da língua.
l) As normas não atrasam nem travam, apenas auxiliam e dirigem; e são indispensáveis para quem ensina e aprende uma língua. E o prezado consulente admite normas, pois que interroga, dizendo: «É correcta a pergunta: A quem ajudou a Ana?»
Por esta pergunta se conclui que admite a existência do correcto e do incorrecto. Para se admitir a existência do correcto, tem de se admitir a existência de normas.
m) Para terminar:
Há o uso considerado correcto e o incorrecto; e o mais correcto e o menos correcto; e ainda o preferível. Quem ministra conhecimentos sobre uma língua deve aceitar e ensinar o correcto, o mais correcto e o preferível. E deve também corrigir os deslizes difundidos pelos meios de comunicação social para que não venham a fixar-se. Estes meios de comunicação são instrumentos de muita força, tanto para difundir e fixar o erro, como para o debelar com rapidez.
Cf. contraponto desta controvérsia em Crítica das regras.