Epifânio Dias da Silva, na p. 85 de Sintaxe Histórica Portuguesa, 1918 (disponível em http://purl.pt/190/3/), considerava o uso do singular prática em desuso e arcaizante:
«b) Qual emprega-se em sentido comparativo:
1) nos similes e nas exemplificações:
[...] como ensinão os legisladores d´esta arte, quaes forão Aristoteles, Horacio, e outros (En. Port., Prologo)
Neste caso os escriptores antigos empregavam ás vezes qual invarável, á maneira do adverbio como [...].
E pratica antiquada.
Na litteratura moderna é imitação affectada de Archaismo:
qual sóem | Ao pôr do sol phantasticas figuras | As nuvens dubuxar pelo horizonte (Garrett, Cam., 45).»
Mais recentemente, qual, em correlação ou não com tal, é considerado, por alguns gramáticos e por dicionaristas como uma conjunção.
Enquanto conjunção, sendo uma palavra gramaticalizada, esperar-se-ia que se fizesse uso apenas do singular.
No entanto, os dados não são esclarecedores, quanto a este aspecto. Os dicionaristas, nos exemplos que apresentam, colocam sempre a seguir a qual um nome singular. Os gramáticos que referem este aspecto apresentam posições não coincidentes.
Cunha e Cintra, na Nova Gramática do Português Contemporâneo, 1984, indicam que as conjunções comparativas que têm um correlativo podem ocorrer sem esse correlativo e dão como exemplo, para tal qual, uma frase de Machado de Assis:
«havia dous anos que nos não víamos, e eu via-o agora não qual era mas qual fora, quais fôramos ambos…» p. 603
Por seu lado, Bechara, na Moderna Gramática Portuguesa, 2001, pág. 550, refere que as expressões tal qual e tal qual como, quando equivalentes à conjunção como, são invariáveis: «Não confundir tal qual flexionáveis com tal qual, tal qual como invariáveis que valem como». Mas não aponta a possibilidade de qual ocorrer isolado e o exemplo que refere contém a locução tal qual como:
«Descerra uns sorrisos discretos, sem mostrar os dentes, tal qual como as inglesas de primeiro sangue.»
É pois, difícil, afirmar com propriedade qual o comportamento canónico quanto ao número de qual quando, isolado, tem valor comparativo. Com efeito, ainda que possa ser levada a generalizar a afirmação de Bechara, ele não apresenta, efectivamente, como hipótese o uso de qual, isolado, a valer como. E se, em vez de quais na frase estivesse tal qual, eu não hesitaria, creio, em defender o singular.
«Eles não deixaram seus corpos como pagãos, mas sim tal qual (como) cristãos de fé vigorosa, um acreditando em Cristo antes de sua vinda, o segundo, depois dela.»
Admitindo que plural e singular são possíveis, como referem Cunha e Cintra e Epifânio, importa manter alguma reserva, tendo em conta o tempo em que Epifânio escreveu e a data em que terá sido escrita a frase de Machado de Assis.
Por outro lado, uma pesquisa de ocorrências, que poderia indicar-nos uma tendência, é impraticável, dado o ruído, ou seja o número de ocorrências sem interesse para a situação em apreço que “respondem” à pesquisa.
Resta dizer que, enquanto falantes — valha isso o que valer — preferimos o singular.