O emprego de formas de tratamento e títulos, no Brasil, constitui uma área escorregadia e com algumas armadilhas para um observador menos atento. Vamos tentar descrever o uso dos itens mencionados na pergunta, de forma resumida mas sistemática, na medida do possível.
Antes de entrar na resposta, propriamente dita, faço observações que, espero, sirvam de ponto de apoio para as explicações que se seguem.
1) Os itens dona, senhora, senhorita e madame constituem títulos ou formas de tratamento, e não pronomes.
2) O que chamamos crase em gramática corresponde à ocorrência consecutiva da preposição a e do artigo a e é representada, graficamente, pelo uso do acento grave sobre um a representando a fusão das duas formas.
3) Há alguns sítios na “web” onde se encontram exemplos detalhados sobre a crase, mas nenhum deles apresenta uma visão pragmática desse uso, que considero necessária para a avaliação/compreensão do uso da crase diante dos itens mencionados na pergunta. É essa visão pragmática que vou privilegiar aqui, ao final, menciono os sítios onde podem ser encontrados exemplos e explicações gramaticais bastante satisfatórias.
No caso das formas de tratamento acima, das quais devo dizer que senhorita e madame estão em franco desuso no Brasil, o uso do artigo é facultativo, como diante dos nomes próprios, vai depender da região do Brasil. No Rio de Janeiro, o mais comum é usá-lo; já em boa parte do Nordeste, não se usa. Vejam os exemplos:
«Vi a D. Lúcia no portão.»// «Vi D. Lúcia no portão.»
«Dei o cartão à D. Lúcia.»// «Dei o cartão a D. Lúcia.»
Assim, pode ou não ocorrer a crase, consoante se considere a presença ou a ausência do artigo (N. B.: o artigo não ocorre, caso a pessoa em questão seja ao mesmo tempo nosso interlocutor):
«D. Lúcia, deixei o cartão em cima da mesa.»
A«ceita um café, D. Lúcia?»
Dona constitui um “título” atribuído à pessoa para manter distância social e não é usado sozinho, no Brasil, sem estar precedendo o nome próprio. Quando isso ocorre, caracteriza inadequação pragmática do autor ou intenção de ofensa. Apenas no interior do Brasil é possível ouvir a seguinte frase da boca de pessoas muito simples, sem que seja considerada uma indelicadeza:
«Oh, Dona, a senhora sabe onde fica a casa do Zé?»
Preceder um nome próprio da forma senhora vem se tornando cada vez mais raro. O termo tem tido seu uso limitado a uma forma de tratamento mais formal, para substituir o pronome de tratamento você em circunstâncias em que é interessante manter a distância, em sinal de respeito ou deferência, no comércio (ou no “telemarketing”), por exemplo, em que os vendedores (ou atendentes) tratam as clientes assim, ou pessoas mais jovens lidando com outras francamente idosas. Pode-se então ouvir as seguintes frases:
«Posso ajudá-la, senhora?»
«Senhora, gostaria de mais alguma coisa?»
Neste caso, em que senhora não precede nome próprio, pode ser precedido de artigo:
«A senhora deseja mais alguma coisa?»
Mas não ocorre, no Brasil, a frase (possível em Portugal):
«A senhora/a dona Lúcia deseja mais alguma coisa?»
Ao balcão da recepção de uma empresa ou no consultório de um médico:
«Senhora Sílvia, pode entrar.» [a «senhora Sílvia» é interlocutora]
A senhora Lúcia está esperando. [neste caso, «a senhora Lúcia» é uma terceira parte, não uma interlocutora]
Resumindo, o artigo só ocorre diante dos itens citados quando:
1. Substituem um pronome de tratamento e não são seguidos do nome próprio, no caso, a senhora;
2. Constituem um “título” atribuído ao indivíduo antes do nome próprio, de forma a respeitar regras sociais impostas por alguma convenção não escrita mas reconhecida por todos os envolvidos para estabelecer distância no relacionamento, no caso, «a senhora Sílvia» ou «a Dona Lúcia». Neste caso, o uso é facultativo e varia conforme a região.
Outros sítios para consulta:
http://www2.uol.com.br/michaelis/crase.htm
http://www.tecgraf.puc-rio.br/~carolina/crase